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ALIMENTAÇÃO ESCOLAR E CANTINA SAUDÁVEL

ALIMENTAÇÃO ESCOLAR E CANTINA SAUDÁVEL


 

Entende-se por alimentação escolar, de acordo com a lei nº. 11.947, de 16 de junho de 2009, "todo alimento oferecido no ambiente escolar, independentemente de sua origem, durante o período letivo". Refere-se, portanto a lei à alimentação fornecida pelo Poder Público ou adquirida por outros meios durante o período em que o aluno está na escola.

Segundo alguns autores, as primeiras iniciativas de merenda escolar começaram a acontecer desde o início do século XX, mediante ações das caixas escolares, formadas por associações de auxílio, de entidades filantrópicas e assistenciais, devido à constatação de que o País vivia um "estado de calamidade social", em que a renda per capita de milhões de brasileiros não lhes permitia a garantia de uma alimentação adequada.

Mas, o programa de alimentação escolar no Brasil teve sua origem no início da década de 40, quando o então Instituto de Nutrição passou a defender a proposta de oferecimento, pelo Governo Federal, de alimentação aos estudantes. Apesar da proposta não ter sido plenamente concretizada devido à falta de recursos financeiros, a partir daí, o programa de alimentação escolar no Brasil passou por sucessivas mudanças, adotando diferentes denominações, estruturas institucionais e modalidades de gestão, mantendo uma continuidade pouco usual entre as políticas sociais do País.


 

Várias iniciativas foram tomadas por governos estaduais e pela sociedade civil para a concretização da oferta da merenda escolar, mas só em 1950 foi estruturado um Plano Nacional de Alimentação e Nutrição, sob a responsabilidade do Poder Público, denominado Conjuntura Alimentar e o Problema da Nutrição no Brasil. No entanto, apenas o Programa de Alimentação Escolar teve continuidade, graças ao financiamento do Fundo Internacional de Socorro à Infância ( Fisi ), atualmente Unicef, que permitiu a distribuição nas escolas do excedente de leite em pó inicialmente destinado à campanha de nutrição materno-infantil

Em 1955, mediante o Decreto nº 37.106, de 31 de março, foi instituída a Campanha de Merenda Escolar ( CME ) com o objetivo de incentivar a distribuição da alimentação para as crianças no período escolar, aliada ao incentivo à melhoria do seu valor nutritivo e à promoção de medidas para a aquisição de produtos ricos em proteínas e vitaminas. Na ocasião, foram firmados convênios com organismos internacionais para a concretização do programa.

Em 1956, mediante o Decreto nº. 39.007, de 11 de abril, ela passou a ser denominada Campanha Nacional de Merenda Escolar ( CNME ). A intenção com a alteração da denominação era promover o atendimento em âmbito nacional.

Em 1965, a denominação da CNME foi alterada para Campanha Nacional de Alimentação Escolar ( CNAE ), mediante o Decreto n°. 56.886, surgindo vários programas de ajuda americana, entre eles, o Alimento para a Paz, financiado pela Usaid; o Programa de Alimentos para o Desenvolvimento, voltado para o atendimento à alimentação das populações carentes e de crianças em idade escolar; e o Programa Mundial de Alimentos, da FAO/ONU. Em 1972, com o fim da ajuda externa, o governo assumiu quase a totalidade dos custos da alimentação escolar, criando o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição – INAN ( Decreto nº. 5829/72), com o objetivo de estabelecer diretrizes para a Política Nacional de Alimentação e Nutrição, consolidadas no I PRONAN – Programa Nacional de Alimentação e Nutrição.

A partir de 1976, financiado pelo Ministério da Educação e gerenciado pela Campanha Nacional de Alimentação Escolar, o programa passa a fazer parte do II Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (II Pronan ), que tinha o objetivo de proporcionar suplementação alimentar aos escolares do 1º grau das escolas públicas e aos pré-escolares. A proposta consistia no fornecimento de uma refeição de valor nutricional que equivalesse de 15% a 30% das recomendações nutricionais diárias, durante o ano letivo.

Finalmente, em 1979, passou a denominar-se Programa Nacional de Alimentação Escolar ( PNAE ), denominação utilizada até os dias atuais, com o status de um dos maiores programas de alimentação do mundo.

Em 1981, o PNAE passa a ser gerenciado pelo Instituto Nacional de Auxílio ao Estudante ( INAE ) e, em 1983, pela Fundação de Assistência ao Estudante – FAE, fruto da fusão do INAE com a Fundação Nacional de Material Escolar – FNME.

Em 1988, com a promulgação da Constituição, a alimentação escolar passa a ser um direito constitucional, a ser oferecido pelos governos federal, estadual e municipal, inicialmente para os alunos do ensino fundamental, obrigatório e gratuito nas escolas públicas, e depois, com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 59, de 11 de novembro de 2009, para os alunos de todas as etapas da educação básica. A partir daí, o PNAE sofreu avanços, passando de um programa assistencialista a direito humano.

Em 1990, a FAE incluiu entre os objetivos do PNAE a elevação dos níveis alimentares e nutricionais, visando à melhoria do rendimento e redução da evasão escolar.

Em 1994, a Lei nº. 8913, de 12 de julho de 1994, determinou a necessidade de nutricionistas para a elaboração dos cardápios e ressaltou, no artigo 4º, a importância dos Conselhos Escolares de Alimentação ( CAE ), órgãos colegiados de caráter fiscalizador, permanente, deliberativo e de assessoramento.

Em 1996, a Portaria nº. 291, de 8 de agosto, determinou a adoção na composição do cardápio do mínimo de 350 kcal. de energia e 9 gramas de proteínas.

Em 1998, com a extinção da FAE, o PNAE passou a ser gerenciado pela Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação – FNDE.

Em 2004, por meio da Resolução nº. 38, de 23 de agosto, é mantida a necessidade de nutricionista legalmente habilitado para a composição do cardápio "que deverá ser programado de modo a suprir, no mínimo, 15% ( quinze por cento ) das necessidades nutricionais diárias dos alunos matriculados em creche, pré-escola e ensino fundamental e, no mínimo, 30% ( trinta por cento ) das necessidades nutricionais diárias dos alunos das escolas indígenas, durante sua permanência em sala de aula" ( art. 10, caput ). No parágrafo 2º do mesmo artigo, é determinado que "a elaboração do cardápio deve ser feita de modo a promover hábitos saudáveis, respeitando-se a vocação agrícola da região, os produtos regionais locais, a preferência por produtos básicos" ( o grifo é nosso).

Em 2006, a Portaria Interministerial nº. 1010, de 8 de maio, institui as diretrizes para a Promoção da Alimentação Saudável nas Escolas de educação infantil, fundamental e nível médio das redes públicas e privadas, em âmbito nacional. Essa Portaria resume de forma clara em seus considerandos a premência de que sejam implantados, em todas as instituições de ensino, programas que tenham como objetivo proporcionar aos educandos uma alimentação saudável. Preferimos, assim, reproduzi-la na íntegra neste trabalho:


 

GABINETE DO MINISTRO

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PORTARIA INTERMINISTERIAL No- 1.010, DE 8 DE MAIO DE 2006


 

Institui as diretrizes para a Promoção da

Alimentação Saudável nas Escolas de

educação infantil, fundamental e nível

médio das redes públicas e privadas, em

em âmbito nacional.


 


 

O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, INTERINO, E O MINISTRO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO, no uso de suas atribuições, e


 

Considerando a dupla carga de doenças a que estão submetidos os países onde a desigualdade social continua a gerar desnutrição entre crianças e adultos, agravando assim o quadro de prevalência de doenças infecciosas;


 

Considerando a mudança no perfil epidemiológico da população brasileira com o aumento das doenças crônicas não transmissíveis, com ênfase no excesso de peso e obesidade, assumindo proporções alarmantes, especialmente entre crianças e adolescentes;


 

Considerando que as doenças crônicas não transmissíveis são passíveis de serem prevenidas, a partir de mudanças nos padrões de alimentação, tabagismo e atividade física;


 

Considerando que no padrão alimentar do brasileiro encontra- se a predominância de uma alimentação densamente calórica, rica em açúcar e gordura animal e reduzida em carboidratos complexos e fibras;


 

Considerando as recomendações da Estratégia Global para Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS) quanto à necessidade de fomentar mudanças sócio-ambientais, em nível coletivo, para favorecer as escolhas saudáveis no nível individual;


 

Considerando que as ações de Promoção da Saúde estruturadas no âmbito do Ministério da Saúde ratificam o compromisso brasileiro com as diretrizes da Estratégia Global;


 

Considerando que a Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) insere-se na perspectiva do Direito Humano à Alimentação Adequada e que entre suas diretrizes destacam-se a promoção da alimentação saudável, no contexto de modos de vida saudáveis e o monitoramento da situação alimentar e nutricional da população brasileira;


 

Considerando a recomendação da Estratégia Global para a Segurança dos Alimentos da OMS, para que a inocuidade de alimentos seja inserida como uma prioridade na agenda da saúde pública, destacando as crianças e jovens como os grupos de maior risco;


 

Considerando os objetivos e dimensões do Programa Nacional de Alimentação Escolar ao priorizar o respeito aos hábitos alimentares regionais e a vocação agrícola do município, por meio do fomento ao desenvolvimento da economia local;


 

Considerando que os Parâmetros Curriculares Nacionais orientam sobre a necessidade de que as concepções sobre saúde ou sobre o que é saudável, valorização de hábitos e estilos de vida, atitudes perante as diferentes questões relativas à saúde perpassem todas as áreas de estudo, possam processar-se regularmente e de modo contextualizado no cotidiano da experiência escolar;


 

Considerando o grande desafio de incorporar o tema da alimentação e
nutrição no contexto escolar, com ênfase na alimentação saudável e na promoção da saúde, reconhecendo a escola como um espaço propício à formação de hábitos saudáveis e à construção da cidadania;


 

Considerando o caráter intersetorial da promoção da saúde e a importância assumida pelo setor Educação com os esforços de mudanças das condições educacionais e sociais que podem afetar o risco à saúde de crianças e jovens;


 

Considerando, ainda, que a responsabilidade compartilhada entre sociedade, setor produtivo e setor público é o caminho para a construção de modos de vida que tenham como objetivo central a promoção da saúde e a prevenção das doenças;


 

Considerando que a alimentação não se reduz à questão puramente nutricional, mas é um ato social, inserido em um contexto cultural; e


 

Considerando que a alimentação no ambiente escolar pode e deve ter função pedagógica, devendo estar inserida no contexto curricular, resolvem:


 


 


 

Art. 1º. Instituir as diretrizes para a Promoção da Alimentação Saudável nas Escolas de educação infantil, fundamental e nível médio, das redes pública e privada em âmbito
nacional, favorecendo o desenvolvimento de ações que promovam e garantam a adoção de práticas alimentares mais saudáveis no ambiente escolar.


 

Art. 2º. Reconhecer que a alimentação saudável deve ser entendida como
direito humano, compreendendo um padrão alimentar adequado às necessidades biológicas, sociais e culturais dos indivíduos, de acordo com as fases do curso da vida e com base em práticas alimentares que assumam os significados sócio-culturais dos alimentos.


 

Art. 3º. Definir a promoção da alimentação saudável nas escolas com base nos seguintes eixos prioritários:


 

I - ações de educação alimentar e nutricional, considerando os hábitos alimentares como expressão de manifestações culturais regionais e nacionais;


 

II - estímulo à produção de hortas escolares para a realização de atividades com os alunos e a utilização dos alimentos produzidos na alimentação ofertada na escola;


 

III - estímulo à implantação de boas práticas de manipulação de alimentos nos locais de produção e fornecimento de serviços de alimentação do ambiente escolar;


 

IV - restrição ao comércio e à promoção comercial no ambiente escolar de alimentos e preparações com altos teores de gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal e incentivo ao consumo de frutas, legumes e verduras; e


 

V - monitoramento da situação nutricional dos escolares.


 

Art. 4º. Definir que os locais de produção e fornecimento de alimentos, de que trata esta Portaria, incluam refeitórios, restaurantes, cantinas e lanchonetes que devem estar adequados às boas práticas para os serviços de alimentação, conforme definido nos regulamentos vigentes sobre boas práticas para serviços de alimentação, como forma de garantir a segurança sanitária dos alimentos e das refeições.


 

Parágrafo único. Esses locais devem redimensionar as ações desenvolvidas no cotidiano escolar, valorizando a alimentação como estratégia de promoção da saúde.


 

Art. 5º. Para alcançar uma alimentação saudável no ambiente escolar, devem-se implementar as seguintes ações:


 

I - definir estratégias, em conjunto com a comunidade escolar, para favorecer escolhas saudáveis;


 

II - sensibilizar e capacitar os profissionais envolvidos com alimentação na escola para produzir e oferecer alimentos mais saudáveis;


 

III - desenvolver estratégias de informação às famílias, enfatizando sua co-responsabilidade e a importância de sua participação neste processo;


 

IV - conhecer, fomentar e criar condições para a adequação dos locais de produção e fornecimento de refeições às boas práticas para serviços de alimentação, considerando a importância do uso da água potável para consumo;


 

V - restringir a oferta e a venda de alimentos com alto teor de gordura, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal e desenvolver opções de alimentos e refeições saudáveis na escola;


 

VI - aumentar a oferta e promover o consumo de frutas, legumes e verduras;


 

VII - estimular e auxiliar os serviços de alimentação da escola na divulgação de opções saudáveis e no desenvolvimento de estratégias que possibilitem essas escolhas;


 

VIII - divulgar a experiência da alimentação saudável para outras escolas, trocando informações e vivências;


 

IX - desenvolver um programa contínuo de promoção de hábitos alimentares saudáveis, considerando o monitoramento do estado nutricional das crianças, com ênfase no desenvolvimento de ações de prevenção e controle dos distúrbios nutricionais e educação nutricional; e


 

X - incorporar o tema alimentação saudável no projeto político pedagógico da escola, perpassando todas as áreas de estudo e propiciando experiências no cotidiano das atividades escolares.


 

Art. 6º. Determinar que as responsabilidades inerentes ao processo de implementação de alimentação saudável nas escolas sejam compartilhadas entre o Ministério da Saúde/Agência Nacional de Vigilância Sanitária e o Ministério da Educação/Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação.


 

Art. 7º. Estabelecer que as competências das Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde e de Educação, dos Conselhos Municipais e Estaduais de Saúde, Educação e Alimentação Escolar sejam pactuadas em fóruns locais de acordo com as especificidades identificadas.


 

Art. 8º. Definir que os Centros Colaboradores em Alimentação e Nutrição, Instituições e Entidades de Ensino e Pesquisa possam prestar apoio técnico e operacional aos estados e municípios na implementação da alimentação saudável nas escolas, incluindo a capacitação de profissionais de saúde e de educação, merendeiras, cantineiros, conselheiros de alimentação escolar e outros profissionais interessados.


 

Parágrafo único. Para fins deste artigo, os órgãos envolvidos poderão celebrar convênio com as referidas instituições de ensino e pesquisa.


 

Art. 9º. Definir que a avaliação de impacto da alimentação saudável no ambiente escolar deva contemplar a análise de seus efeitos a curto, médio e longo prazo e deverá observar os indicadores pactuados no pacto de gestão da saúde.


 

Art. 10- Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação( os grifos são nossos).


 


 

JOSÉ AGENOR ÁLVARES DA SILVA

Ministro de Estado da Saúde Interino

FERNANDO HADDAD

Ministro Estado da Educação


 

Três meses após, é publicada a Resolução nº. 32, de 10 de agosto de 2006, que estabelece normas para a execução do PNAE, ampliando a visão do programa ao inserir os princípios e diretrizes do PNAE que visam garantir uma alimentação escolar saudável, conforme previsto na Portaria Interministerial nº. 1010, de 8 de maio de 2006.

Em seu artigo 4º é definido o objetivo do Programa:

Art. 4º. O PNAE tem como objetivo atender às necessidades nutricionais dos alunos e à formação de hábitos alimentares saudáveis, durante a sua permanência em sala de aula, contribuindo para o seu crescimento, desenvolvimento, aprendizagem e rendimento escolar ( o grifo é nosso).

O artigo 14 da Resolução reitera a presença do nutricionista habilitado como responsável técnico pelo Programa e pela elaboração do cardápio da alimentação escolar, com o acompanhamento do CAE. Ainda no caput desse artigo, é definido que o cardápio deverá ser programado de modo a suprir, no mínimo, 30% ( trinta por cento) das necessidades nutricionais diárias dos alunos das creches e escolas indígenas e das localizadas em áreas remanescentes de quilombos, e 15% (quinze por cento) para os demais alunos matriculados em creches, pré-escolas e escolas de ensino fundamental, durante sua permanência em sala de aula. O parágrafo 2º deste artigo define que os cardápios deverão atender às necessidades nutricionais mínimas que foram estabelecidas nos Anexos IV e V da Resolução.

O parágrafo 4º desse mesmo artigo repete o objetivo do PNAE explicitado no artigo 4º, no que diz respeito à elaboração de cardápios feitos de modo a promover hábitos alimentares saudáveis, e complementa determinando que os hábitos alimentares de cada localidade e sua vocação agrícola devem ser respeitados, dando-se prioridade a produtos básicos, dentre esses, aos semielaborados e aos in natura.

Finalmente, em 16 de junho de 2009 foi publicada a Lei nº. 11.947 que, em seu artigo 3º amplia a atuação do PNAE, passando a atender a todos os alunos da educação básica pública

Art. 3º. A alimentação escolar é direito dos alunos da educação básica pública e dever do Estado e será promovida e incentivada com vistas no atendimento das diretrizes estabelecidas nesta Lei ( o grifo é nosso)..


 

O artigo 4º amplia o objetivo do Programa, definindo:


 


 

Art. 4º. O Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE tem por objetivo contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de hábitos alimentares
saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo( o grifo é nosso).


 

A lei é clara ao definir também a formação de hábitos alimentares saudáveis como objetivo do PNAE e, em seu artigo 15, delega ao Ministério da Educação a competência para "propor ações educativas que perpassem pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional".

O artigo 2º traça as diretrizes da alimentação escolar:

Art. 2º. São diretrizes da alimentação escolar:


 

I - o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo

o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica;


 

II - a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional;


 

III - a universalidade do atendimento aos alunos matriculados na rede pública de educação básica;


 

IV - a participação da comunidade no controle social, no acompanhamento das ações realizadas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios para garantir a oferta da alimentação escolar saudável e adequada;


 

V - o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos;


 

VI - o direito à alimentação escolar, visando a garantir segurança alimentar e nutricional dos alunos, com acesso de forma igualitária, respeitando as diferenças biológicas entre idades e condições de saúde dos alunos que necessitem de atenção específica e aqueles que se encontram em vulnerabilidade social.


 


 


Vê-se, assim, que a política de alimentação no Brasil se ampliou consideravelmente também em termos dos seus objetivos: partiu de um programa que visava suprir as deficiências alimentares dos alunos, combatendo a anemia severa e suas consequências, o raquitismo, entre outras doenças, para uma política de prevenção de doenças surgidas em decorrência da transição nutricional por que passa o Brasil, com a redução da prevalência e gravidade da desnutrição em todos as camadas sociais e evidências de aumento das prevalências de sobrepeso e obesidade.

Estudos da Organização Mundial de Saúde - OMS mostram que doenças crônicas como diabetes, obesidade, câncer, doenças cardiovasculares e respiratórias, causadas principalmente pela obesidade e sobrepeso, são a principal causa de mortalidade e incapacidade no mundo, sendo responsáveis por 59% dos 56,5 milhões de óbitos anuais, e alerta para o fato de que, nos próximos 10 anos, a obesidade será a principal causa de morte inevitável, superando o número de óbitos causados pelo cigarro em todo o mundo.

Por seu lado, a Sociedade Brasileira de Pediatria afirma que a obesidade infantil dobrou nos últimos dez anos, atingindo, hoje, mais de 5 milhões de crianças, o que equivale a 15% da população infantil.

Se, no passado, a preocupação da política de alimentação governamental, sobretudo a alimentação escolar, era a desnutrição, hoje se buscam ações que insiram a escola também como educadora alimentar, no momento em que, obrigatoriamente, a merenda escolar estimule hábitos saudáveis de alimentação e que o currículo privilegie informações que provoquem uma mudança de comportamento na forma como os alunos se alimentam.

Considerando a escola como "um espaço privilegiado para a promoção da saúde" desempenhando "papel fundamental na formação de valores, hábitos e estilos de vida, entre eles o da alimentação", as Secretarias de Educação e de Saúde do Rio de Janeiro realizam, anualmente, a Semana de Alimentação Escolar. O evento leva em consideração que a promoção de uma alimentação saudável pressupõe a integração de ações em três campos:

- ações de estímulo à adoção de hábitos alimentares saudáveis, por meios de atividades que informem e motivem escolhas individuais;

-ações de apoio à adoção de práticas saudáveis, por meio da oferta de alimentação nutricionalmente equilibrada no ambiente escolar;

-ações de proteção à alimentação saudável, por meio de medidas que evitem a exposição da comunidade escolar a práticas alimentares inadequadas.

Assim, não é suficiente que apenas os alimentos oferecidos pelo PNAE obedeçam a normas nutricionalmente adequadas. É necessário proteger o aluno da oferta indiscriminada de produtos alimentares que burlem as normas utilizadas pelo PNAE. É necessário que a escola adote medidas que evitem a exposição dos alunos a práticas alimentares inadequadas. É necessário que as cantinas escolares de escolas públicas e privadas preocupem-se com a boa alimentação dos seus alunos.

Nos dois anos em que estivemos como Conselheira do Conselho Estadual de Educação, por várias vezes, a Comissão de Educação Básica discutiu a questão da merenda escolar em escolas públicas e privadas e, entre os projetos que traçávamos à época, estava a proposta de elaboração de um projeto de lei que restringisse a alimentação oferecida nas escolas. Oxalá a Comissão recém empossada tenha essa mesma preocupação! Bem, mas, pelo menos, alguma providência já está sendo tomada. Pena que restrita apenas às escolas da rede estadual!

No dia 7 de abril deste ano, foi publicada no jornal "A Gazeta" a notícia: "Cantina de escola proibida de vender até bala no recreio". E traz:

Dentro de três meses, os estudantes de 450 escolas da rede estadual de ensino não vão mais poder comprar balas, chips, refrigerantes ou sucos artificiais no horário do recreio. A partir desta data, as cantinas das escolas poderão vender apenas produtos saudáveis, e a determinação é da Secretaria Estadual de Educação ( Sedu ), que determinou as novas regras.

Até então, as cantinas – muitas delas administradas pela própria direção – podiam vender de tudo. A preferência dos estudantes é, geralmente, pelos alimentos gordurosos e nada nutritivos, como biscoitos recheados e salgados fritos.


 

Mas, na mesma página, um subtítulo: "Nas particulares, venda é liberada", trazendo:


 

Diferente da rede estadual de ensino, que agora passará a contar com regras para a venda de alimentos nas cantinas, na rede particular, os estabelecimentos que funcionam dentro das escolas possuem autonomia para a comercialização dos produtos.


 

O Superintendente do Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino ( Sinepe ), Geraldo Diório Filho, explica que, "de modo geral, as cantinas que atendem às crianças da educação infantil não vendem produtos como refrigerantes e salgados fritos"( o grifo é nosso). E, sem se referir aos alunos do ensino fundamental, afirma que é difícil controlar o consumo dos alunos do ensino médio e superior. E conclui:


 

De fato, precisamos mudar os hábitos alimentares das crianças. Mas acredito que a mudança tem que começar na conscientização, e não na obrigação.


 

Cita ainda a reportagem que, segundo um levantamento do IBGE, divulgado no ano passado, 26% dos alunos da rede estadual não consomem leite e que 37% nunca comem frutas e verduras. Apenas 20% dos alunos disseram consumir saladas, e 5% legumes e verduras.
Ora, esses dados não devem ser muito diferentes se considerarmos os alunos das escolas privadas. Então, é necessário que algo seja feito. Concordamos que a proibição do consumo de alimentos pouco saudáveis não é recomendável. Mas pode-se proteger a alimentação saudável, evitando-se a exposição dos alunos às práticas alimentares inadequadas, conforme preceituam as Secretarias de Educação e de Saúde do Rio de Janeiro.


 

Com esse objetivo, vários estados e municípios promulgaram normas determinando que as cantinas escolares ofereçam alimentação saudável aos alunos. E a nossa surpresa ao elaborar este trabalho é que as escolas municipais de Vitória- ES já foram beneficiadas com a Lei nº. 6.786/2006, que " dispõe sobre a regulamentação do fornecimento alimentos nas merendas, cantinas ou similares em escolas públicas municipais e dá outras providências", e com o Manual da Cantina Saudável, "que busca orientar a comunidade acerca dos produtos que podem ou não ser comercializados, bem como sobre os requisitos de limpeza e higiene que devem ser observados pelos funcionários das cantinas".


 

O artigo 1º da lei determina que:


 

Art. 1º Os estabelecimentos de ensino municipal de Vitória deverão fornecer, em suas merendas, cantinas ou similares, aos seus estudantes, servidores e funcionários, alimentos com padrões de qualidade nutricional saudáveis, sendo vedado o fornecimento de alimentos fritos, doces e outras guloseimas que contenham em sua composição elementos prejudiciais à saúde.


 

Mas, o estado pioneiro na regulamentação da venda de produtos nas cantinas escolares das escolas públicas e privadas foi o Estado de Santa Catarina, que, no ano

de 2001, promulgou a Lei nº 12.061, de 18 de dezembro, que "dispõe sobre critérios de concessão de serviços de lanches e Bebidas nas unidades educacionais, localizadas no Estado de Santa Catarina". No artigo 1º dessa lei é definido:


 

Art. 1o Os serviços de lanches e bebidas nas unidades educacionais públicas e privadas que atendam a educação básica, localizadas no Estado de Santa Catarina, deverão obedecer a padrões de qualidade nutricional e de vida, indispensável à saúde dos alunos (o grifo é nosso ).


 

O artigo 2º lista os produtos nos quais recai a proibição de venda, a saber: bebidas com quaisquer teores alcoólicos, balas, pirulitos e gomas de mascar, refrigerantes e sucos artificiais, salgadinhos industrializados, salgados fritos e pipocas industrializadas.


 

O parágrafo 1º desse artigo determina que a cantina deverá colocar à disposição dos alunos dois tipos de frutas sazonais, "objetivando a escolha e o enriquecimento nutritivo dos mesmos".


 

E o parágrafo 2º proibe "a comercialização de alimentos e refrigerantes que contenham em sua composição química, nutrientes que sejam comprovadamente prejudiciais à saúde".


 

No Estado do Paraná, o funcionamento das cantinas escolares é regulamentado pela Lei nº. 14.423, de 2 de junho de 2004, e, o seu teor repete o da lei de Santa Catarina, abrangendo, do mesmo modo, escolas públicas e privadas.


 

No Distrito Federal, a Lei nº. 3.695, de 8 de novembro de 2005, "dispões sobre a promoção de alimentos saudáveis nas escolas da rede de ensino do Distrito Federal", públicas e privadas.


 

Entre os alimentos proibidos de serem comercializados nas escolas públicas e privadas de educação básica foram acrescidos, com relação ao Paraná e a Santa Catarina, os alimentos em cuja preparação seja utilizada gordura vegetal hidrogenada e alimentos industrializados cujo percentual de calorias provenientes de gordura saturada ultrapasse 10% das calorias totais.


 

Além disso,a proibição de oferta desses alimentos é estendida aos ambulantes localizados nas cercanias das escolas.


 

O artigo 5º prescreve que as cantinas escolares deverão oferecer para consumo, diariamente, pelo menos uma fruta da estação in natura, inteira ou em pedaços, ou em forma de suco.


 

Foi limitada, também, a adoção do açúcar em sucos de frutas, bebidas lácteas e demais preparações com adição de açúcar, colocando-a como opcional e, se solicitada deverá ser administrada de modo a não exceder a dois saches de 5 gramas por porção de 200 mililitros.


 

O artigo 8º da lei proíbe, no ambiente escolar, a publicidade de produtos cuja comercialização seja por ela proibida.


 

O artigo 9º amplia significativamente o conteúdo da legislação de Santa Catarina e Paraná, determinando que o tema alimentação saudável escolar seja incluído no currículo escolar, e definindo que as escolas deverão capacitar o seu corpo docente para uma atuação eficiente:


 

Art. 9º. As escolas adotarão conteúdo pedagógico e manterão em exposição material de comunicação visual sobre os seguintes temas:

I – Alimentação e Cultura;

II – refeição balanceada, grupos de alimentos e suas funções;

III – alimentação e mídia;

IV – hábitos e estilos de vida saudáveis;

V – frutas, hortaliças: preparo, consumo e sua importância para a saúde;

VI – fome e segurança alimentar;

VII – dados científicos sobre malefícios do consumo dos alimentos cuja comercialização é vedada por esta Lei.


 

Parágrafo único. As escolas promoverão a capacitação de seu corpo docente para a abordagem multidisciplinar e transversal desses conteúdos.


 


 

O Estado do Rio de Janeiro promulgou, em11 de janeiro de 2005, a Lei nº. 4.508, que "proíbe a comercialização, aquisição, confecção e distribuição de produtos que colaborem para a obesidade infantil, em bares, cantinas e similares instalados em escolas públicas e privadas do Estado do Rio de Janeiro, na forma que menciona" ( o grifo é nosso).


 

O artigo 2º da lei determina:


 

Art. 2º. Incluem-se no disposto do caput do artigo 1º os seguintes produtos: salgadinhos, balas, chocolates, doces a base de goma, goma de mascar, pirulito, caramelo, refresco de pó industrializado, refrigerantes, qualquer alimento manipulado na escola ou em ambiente não credenciado para confecção de preparação alimentícia, bebidas alcoólicas, alimentos com mais de 3 (três) gramas de gordura em 100 (cem) kcal do produto, com mais de 160 (cento e sessenta) mg de sódio em 100 (cem) kcal do produto e alimentos que contenham corantes, conservantes ou anti-oxidantes artificiais (observada a rotulagem nutricional disponível nas embalagens), alimentos sem rotulagem, composição nutricional e prazo de validade


 


 

O parágrafo único deste artigo proíbe a propaganda, nas dependências das escolas, dos produtos elencados no artigo.


 

Em 5 de setembro de 2009, foi publicada, no Diário Oficial do Estado de Minas Gerais, a sanção ao Projeto de Lei nº. 898/07, que "acrescenta dispositivo à Lei nº. 15.72, de 05/04/2004, que dispõe sobre a promoção da educação alimentar e nutricional nas escolas públicas e privadas do sistema estadual de ensino".


 

O artigo 1º do PL, acrescenta o artigo 3º-A à Lei nº 15072/04, determinando que a preparação dos lanches e bebidas fornecidos nas escolas públicas e privadas de Minas Gerais deverão observar padrões de qualidade nutricional compatível com a promoção da saúde dos alunos e a prevenção da obesidade. O parágrafo 1º desse artigo proíbe o fornecimento de produtos e preparações com altos teores de calorias, gordura saturada, gordura trans, açúcar livre e sal, ou com poucos nutrientes.


 

A Lei nº. 8681, de 13 de julho de 2007, "disciplina a alimentação oferecida nas unidades escolares, públicas e privadas, que atendam à educação infantil e básica do Estado de Mato Grosso". A lei repõe em seu teor as leis dos estados de Santa Catarina e Paraná.


 

A Lei nº. 158, de 18 de agosto de 2008, "dispõe sobre a comercialização de lanches e bebidas em escolas no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul". Essa lei proíbe apenas a comercialização e o consumo, no âmbito escolar público e privado, de bebidas com qualquer teor alcoólico, alimentos e bebidas que contenham, em sua composição química, nutrientes que sejam, comprovadamente, prejudiciais à saúde e alimentos e produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica.


 

O artigo 2º determina que as frutas, saladas, sucos naturais e sanduíches "serão ofertados com maior evidência nos bares e nas cantinas escolares, ficando vedada, de acordo com o artigo 5º, a exposição de cartazes publicitários que estimulem a aquisição e o consumo de balas, chicletes, salgadinhos industrializados e refrigerantes, e, proibindo, também, a exposição ostensiva desses produtos ( Parágrafo único do artigo 5º).


 

No ano passado, o Governador de São Paulo vetou o Projeto de Lei nº. 1356/07, chamado de "lei anticochinha", aprovado pela Assembleia Legislativa por unanimidade, provocando protestos de alguns dos principais especialistas brasileiros em alimentação infantil. Na ocasião, o Grupo de Trabalho de Alimentação e Nutrição em Saúde Coletiva da Associação Brasileira de Pós- Graduação em Saúde Coletiva encaminhou ofício ao Governador, justificando a importância da regulamentação da venda e propaganda de alimentos no ambiente escolar, fundamentando-se nos seguintes argumentos:


 

  1. Nas últimas décadas, a obesidade e as doenças crônicas a ela associadas têm aumentado acentuadamente em diversos países do mundo, incluído o Brasil, atingindo populações cada vez mais jovens (WHO/FAO 2003; IBGE, 2006).
  2. O inequívoco e crescente papel do ambiente na determinação da obesidade, em particular a intensa exposição de crianças a alimentos com alta densidade energética e baixo aporte de fibras e micronutrientes.
  3. Os alimentos comercializados em cantinas escolares tendem a apresentar alto grau de processamento industrial e se caracterizam por: (a) alta densidade energética e escasso ou nenhum valor nutricional, (b) conteúdo excessivo de gorduras em geral, (c) conteúdo excessivo de gorduras saturadas, (d) conteúdo excessivo de açúcar ou (e) conteúdo excessivo de sódio ou, ainda, freqüentemente, (f) uma combinação das características anteriores.
  4. A escola tem a missão de promover saúde e contribuir para o desenvolvimento de hábitos saudáveis. Para tanto, é fundamental que o aluno encontre no ambiente escolar coerência entre o discurso (o que é dito) e a prática (o que está disponível e é oferecido) no ambiente escolar, ou seja, deve ser valorizada a dimensão pedagógica e contribuidora para a saúde da alimentação oferecida na escola. Por isso, cabe à escola proteger os alunos das intensas práticas de marketing de produtos industrializados. O comércio de alimentos nas escolas é uma forma de propaganda desses alimentos.    
  5. A promoção da saúde é mais efetiva quando combina medidas de incentivo (informação e motivação para comportamentos saudáveis), apoio (que facilitam as escolhas saudáveis) e proteção (que protegem coletividades e indivíduos da exposição a fatores e situações que estimulem práticas não saudáveis).


 

Uma das justificativas para o veto, apresentada pela Secretaria de Saúde foi
que a proposta era inadequada por trazer, no corpo da lei, listas de alimentos proibidos, o que dificultaria atualizações. Além disso, o texto, de autoria da deputada Patrícia Lima (PR), mencionava alimentos de alto teor calórico e com gordura "trans" como alvo da restrição. No entanto, nem sempre alimentos calóricos são ruins para a saúde e eles podem ser necessários para algumas crianças – um suco de açaí, por exemplo, é calórico e saudável.


 

Assim, novo texto foi elaborado e aprovado pela Assembleia Legislativa, e aguarda a sanção do governador.


 

Em nível municipal, sabemos que as cidades de Aracaju e Juiz de Fora já possuem leis municipais que regulamentam o funcionamento das cantinas escolares. Recife e o estado do Piauí aguardam a sanção dos projetos de lei que regulamentam o assunto. Esperamos que muitos outros municípios e estados estejam, também, preocupados com o tema!


 

Em nível federal, em 8 de outubro de 2009, já tinha recebido parecer favorável da Comissão de Educação e Cultura do Senado, a proposta ( PLS 406/08 ) do senador Paulo Paim ( PT-RS ) que trata da comercialização de alimentos em estabelecimentos escolares, públicos e privados, bem como da promoção de ações para a alimentação e nutrição adequada de crianças e adolescentes. Além disso , o Ministério da Saúde também estuda a regulamentação da venda de guloseimas e lanches nas cantinas de escolas públicas e privadas de todo o País.


 

Importante citar que, em 4 de fevereiro deste ano, foi promulgada a Emenda Constitucional nº. 64, que "altera o artigo 6º da Constituição Federal, para introduzir a alimentação como direito social", passando o artigo a vigorar com a seguinte redação:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição( o grifo é nosso).

Vimos, assim, que desde o ano de 2006, existe Portaria conjunta dos Ministérios da Educação e da Saúde recomendando a proibição da oferta e a propaganda de alimentos prejudiciais à saúde, no ambiente escolar, bem como a inclusão nos currículos escolares de temas que tratem da alimentação saudável. Mas vimos, também, que desde o ano de 2001 o Estado de Santa Catarina promulgou lei específica sobre a presença, nas escolas públicas e privadas, da chamada "cantina saudável", e ainda que, o Município de Vitória, no Espírito Santo, desde 2006, possui legislação sobre o tema.

A escola é o ambiente propício para a difusão de informações que levem o aluno à formação de valores, hábitos e estilos de vida, inclusive o da alimentação, que possam provocar uma mudança de comportamento, com vistas à alteração das estatísticas sobre obesidade e sobrepeso, causadoras de tantas doenças que prejudicam a qualidade de vida das pessoas.

Segundo informativo da REBRAE – Rede Brasileira de Alimentação e Nutrição do Escolar, de acordo com o presidente da Sociedade Espirito-santense de Pediatria, Valmin Ramos, dados de pesquisa realizada no ano de 2007 revelaram que cerca de 20% das crianças de Vitória, de 7 a 14 anos, têm excesso de peso ou são obesas. Segundo o médico, dentro de poucas décadas, essas crianças vão ser responsáveis pelo aumento nos índices de mortes por problemas cardíacos. Afinal, explica, é nessa idade que são formados os gostos da criança e é também por volta dos três anos de idade que elas aprendem a escolher aquilo que querem ou não comer.

Para a Organização mundial de Saúde – OMS, nos próximos dez anos a obesidade será a principal causa de morte inevitável. Para ela,
a obesidade infantil é mais preocupante que a adulta, pois o sobrepeso e a obesidade nesta fase vêm crescendo de forma alarmante, constituindo-se numa ameaça à saúde e ao desenvolvimento desses grupos. E cita estudos que mostram que cerca de 50% de crianças obesas aos seis meses de idade, e 80% das crianças obesas aos cinco anos de idade permanecerão obesas.

De acordo com a Estratégia Global para Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde (EG), proposta pela OMS e aprovada por 191 países na 57ª Assembléia Mundial de Saúde, é necessário fomentar mudanças sócio–ambientais, em nível coletivo, para favorecer as escolhas saudáveis no nível individual, de forma a reverter este quadro alarmante de ascensão das doenças crônicas não-transmissíveis – DCNT.

Segundo ela,

A grande preocupação é que essas doenças levam anos para produzir o efeito negativo e crianças obesas crescem carregando problemas de saúde que poderiam ter sido evitados com modos de vida mais saudáveis. Neste contexto, os hábitos alimentares são importantíssimos porque são estabelecidos durante a infância, consolidados na adolescência e estão diretamente relacionados ao risco do desenvolvimento de DCNT na vida adulta.

Parte inferior do formulário

Urge, portanto, que, desde a educação infantil, a criança seja educada visando à adoção de uma alimentação saudável, trabalho que deve ser realizado em conjunto, pela escola e pela família.


 


 

BIBLIOGRAFIA:


 

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STEFANINI, Maria Lucia Rosa. Merenda escolar: história, evolução e contribuição

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VITÓRIA (Espírito Santo). Lei nº. 6.786, de 24 de novembro de 2006. Dispõe sobre a regulamentação do fornecimento de alimentos nas merendas, cantinas ou similares em escolas públicas municipais e dá outras providências. JusBrasil Legislação. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br>. Acesso em: 15 abr. 2010.


 


 


 


 


 


 


 

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A GESTÃO DEMOCRÁTICA DA EDUCAÇÃO E OS CONSELHOS ESTADUAIS DE EDUCAÇÃO

A Gestão Democrática da Educação e os Conselhos Estaduais de Educação


 

A gestão democrática da educação, reivindicação acirrada pelos movimentos sociais durante o período do regime militar, tornou-se um dos princípios da educação enumerados na Constituição Federal de 1998, que define:

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

..............................................................................................................

VI- gestão democrática do ensino público, na forma da lei;

Por sua vez, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- Lei nº. 9394, de 20 de dezembro de 1996, repõe esse princípio no inciso VIII do artigo 3º:

Art. 3º..............................................................................................

.......................................................................................................

VIII- gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino;

O artigo 14 dessa Lei define, ainda que:

Art. 14. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I- participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;

II- participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes.


 

O Plano Nacional de Educação - PNE, aprovado pela Lei nº. 10172, de 9 de janeiro de 2001, também trata da gestão democrática definindo que:


 

Finalmente, no exercício de sua autonomia, cada sistema de ensino há de implantar gestão democrática.
Em nível de gestão de sistema, na forma de
Conselhos de Educação que reúnam competência técnica e representatividade dos diversos setores educacionais; em nível das unidades escolares, por meio da formação de conselhos escolares de que participe a comunidade educativa e formas de escolha da direção escolar que associem a garantia da competência ao compromisso com a proposta pedagógica emanada dos conselhos escolares e a representatividade e liderança dos gestores escolares (os grifos são nossos).


 

No que se relaciona à gestão, dentre os objetivos e metas traçados no Plano Nacional de Educação, encontram-se:


 

2.1. Estimular a criação dos Conselhos Municipais de Educação;

2.2. Definir, em cada sistema de ensino, normas de gestão democrática do ensino público, com a participação da comunidade(o grifo é nosso);


 

O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, define no

parágrafo único do artigo 53:


 

Art. 53.............................................................................................................

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência dos processos pedagógicos, bem como participar da definição das propostas educacionais( o grifo é nosso).


 

Essas são as determinações e indicações legais sobre a gestão democrática na educação, mas segundo Félix [ 200-, p. 6], " o que está escrito na lei não implica que, de fato, tal gestão esteja ocorrendo na educação [...]".


 

No entanto, não foi a partir da vigência dessas leis que as ideias sobre a gestão democrática associadas à educação apareceram na literatura educacional.


 

Em 1932, o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, considerado um marco na renovação educacional do País, elaborado por 26 intelectuais, dentre eles, Anísio Teixeira, Cecília Meireles, Lourenço Filho, Roquete Pinto e Fernando de Azevedo, consolidou a visão de um segmento da elite intelectual que enxergou a possibilidade de interferir na organização da educação nacional. E, em suas ideias, a família, o professor e a sociedade em geral deviam exercer um papel significativo na "nova educação" por eles concebida. Para eles,


 

[...] do direito de cada indivíduo à sua educação integral, decorre logicamente para o Estado que o reconhece e o proclama, o dever de considerar a educação na variedade de seus graus e manifestações, como uma função eminentemente pública, que ele é
chamado a realizar, com a cooperação de todas as instituições sociais. [...] Ela [a família] é ainda o "quadro natural que sustenta socialmente o indivíduo, como o meio moral em que se disciplinam as tendências, onde nascem, começam a desenvolver-se e continuam a entreter-se as suas aspirações para o ideal". Por isto, o Estado, longe de
prescindir da família, deve assentar o trabalho da educação no apoio que ela dá à
escola e na colaboração efetiva entre pais e professores, entre os quais, nessa obra profundamente social, tem o dever de restabelecer a confiança e estreitar as relações, associando e pondo a serviço da obra comum essas duas forças sociais – a família e a
escola, que operavam de todo indiferentes, senão em direções diversas e às vezes opostas( os grifos são nossos).


 

E acrescentam:


 

Cada escola, seja qual for o seu grau, dos jardins às universidades, deve, pois, reunir em torno de si as famílias dos alunos, estimulando e
aproveitando as iniciativas dos pais em favor da educação; constituindo sociedades de ex-alunos que mantenham relação constante com as escolas; utilizando, em seu proveito, os valiosos e múltipos elementos materiais e espirituais da coletividade e despertando e desenvolvendo o
poder de iniciativa e o espírito de cooperação social entre os pais, os professores, a
imprensa e todas as demais instituições diretamente interessadas na obra da
educação. Pois, é impossível realizar-se em intensidade e extensão, uma sólida obra educacional, sem se rasgarem à escola aberturas no maior número possível de direções e sem se multiplicarem os pontos de apoio de que ela precisa, para se desenvolver , recorrendo à comunidade como à fonte que lhes há de proporcionar todos os elementos necessários para elevar as condições materiais e espirituais das escolas. A consciência do verdadeiro papel da escola na sociedade impõe o dever de concentrar a ofensiva educacional sobre os núcleos sociais, como a família, os agrupamentos profissionais e a imprensa, para que o esforço da escola se possa realizar em convergência numa obra solidária, com as outras instituições da comunidade (os grifos são nossos).


 

No período de 5 a 9 de março de 1990, em Jomtien, Tailândia, durante a realização da Conferência Mundial sobre a Educação para Todos, os participantes reafirmaram o direito de todos à educação e aprovaram a Declaração Mundial sobre Educação para Todos: Satisfação das Necessidades Básicas de Aprendizagem, que definiu em seu artigo 7, a necessidade do fortalecimento de alianças para o alcance do objetivo de propiciar educação básica para todos, frisando que não se pode esperar que apenas as autoridades responsáveis pela educação em níveis nacional, estadual e municipal "supram a totalidade dos requisitos humanos, financeiros e organizacionais necessárias a esta tarefa". E afirma que:

Novas e crescentes articulações e alianças serão necessárias em todos
os níveis: entre todos os subsetores e formas de educação, reconhecendo o papel especial dos professores, dos administradores
e do pessoal que trabalha em educação[...]. É particularmente importante reconhecer o
papel vital dos educadores e das famílias ( o grifo é nosso);


 

No ano de 1993, em Nova Delli, os 9 (nove) países em desenvolvimento de maior população do mundo, em que o Brasil está incluído, mediante a Declaração de Nova Delli, reconheceram, entre outros fatos que:


 

2.8. a educação é – e tem que ser – responsabilidade da sociedade,
englobando, igualmente, os governos, as famílias,
as comunidades e as organizações não-governamentais, exige o compromisso e a participação de todos numa grande aliança que transcenda a diversidade de opiniões e
posições políticas ( o grifo é nosso).


 

No ano de 2000, em Dakar, Senegal, os participantes da Cúpula Mundial de Educação, visando ao alcance das metas de educação para todos - para cada cidadão e cada sociedade - comprometeram-se, dentre outras ações, a:


 

iii. assegurar o engajamento e a participação da sociedade civil na formulação, implementação e monitoramento de estratégias para o desenvolvimento da educação;

iv. desenvolver sistema de administração e de gestão educacional que sejam participativos e capazes de dar resposta e de prestar contas( os grifos são nossos) ;


 

Em 2001, reunidos na VII Seção do Comitê Intergovernamental do Projeto Principal para a Educação, realizada em Cochabamba, Bolívia, os Ministros da Educação da América Latina e do Caribe, após análise dos relatórios apresentados, declararam, nos itens 6 e 7:


 

6. que se faz necessário um novo tipo de escola. É absolutamente essencial que as escolas sejam mais flexíveis e altamente sensíveis aos desafios, e que tenham uma efetiva autonomia pedagógica e administrativa. A elas deve ser dado o apoio suficiente que as capacite a organizar e desenvolver seus próprios projetos educacionais em resposta às necessidades e à diversidade da comunidade a que servem, projetos os quais são elaborados coletivamente, e a assumir – juntamente com as entidades governamentais e outros atores – a responsabilidade pelos resultados.[...];


 

7. que, como a educação é um direito e um dever de cada pessoa compartilhada com a sociedade, é necessário criar mecanismos adequados e flexíveis para garantir a participação permanente de uma multiplicidade de atores, e estimular as práticas intersetoriais no campo da educação.
Os mecanismos integradores devem tratar diferentes áreas da atividade

educacional, a começar com a família, a sala de aula e a escola, dando atenção especial ao vínculo com o desenvolvimento local. Como condição necessária para aumentar a participação comunitária na educação, o Estado deve assumir uma liderança efetiva, encorajando a participação da sociedade no planejamento, execução e avaliação da pesquisa sobre o impacto das políticas educacionais ( os grifos são nossos);


 

Assim, vemos que a noção de gestão democrática da educação há muito faz parte do discurso de educadores e figura, há muito, nas metas estabelecidas em tratados e manifestos. No entanto, segundo Mendonça (2001, apud SARUBI,[200-], p.5 ),


 

A educação brasileira experimentou uma democratização tardia, passando por muitos estágios. Num primeiro momento, a democratização da educação brasileira foi compreendida como direito universal ao acesso, para só depois ser vista como direito a um ensino de qualidade e à participação democrática na gestão e nos sistemas de ensino.


 

Segundo Cury (2004, p.1), geralmente, o princípio da gestão democrática tem sido mais referido à eleição de diretores ou diretoras em escolas públicas, ou mesmo á atuação dos conselhos escolares, fazendo parte, inclusive, de várias Constituições Estaduais e Leis Orgânicas Municipais. No Estado do Espírito Santo, por exemplo, tal princípio está inserido no artigo 170 da Constituição Estadual que reza:

Art. 170. O ensino será ministrado com obediência aos princípios estabelecidos no art. 206 da Constituição Federal e aos seguintes:

...........................................................................................................

VI- efetiva participação, em todos os níveis, dos profissionais de magistério, dos pais ou responsáveis, na gestão administrativo-pedagógica da escola.

No entanto, neste artigo, procuraremos enfocar a ideia de democratização da educação superando o conceito de escola de qualidade para todos e de administração participativa na escola. O nosso enfoque será a gestão democrática da educação no que diz respeito ao estabelecimento de mecanismos legais, à formulação de políticas educacionais e às questões de caráter normativo e deliberativo nos sistemas de ensino. Vamos tratar, especificamente, dos Conselhos de Educação, Nacional, Estaduais e Municipais, entendendo-os, juntamente com outros tipos de conselhos ( conselhos escolares, conselhos do FUNDEB, conselhos de alimentação escolar) como a materialização do princípio da gestão democrática da educação, "constituindo-se em fóruns apropriados à expressão das aspirações da cidadania, pela voz da pluralidade social" ( Bordignon, 2004).


 

Em particular, analisaremos estudos realizados sobre a garantia constitucional da gestão democrática da educação, a representatividade da sociedade civil, a composição desses conselhos e a forma como os conselheiros são escolhidos.


 

Em âmbito federal, o atual Conselho Nacional de Educação- CNE foi instituído pela Lei nº. 9131, de 24 de novembro de 1995, que altera dispositivos da Lei nº. 4024, de 20 de dezembro de 1961, primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Nela, o Conselho era denominado Conselho Federal de Educação e definia, em seu artigo 7º, que incumbia ao então Ministério da Educação e Cultura "a observância das leis do ensino e o cumprimento das decisões do Conselho Federal da Educação". Com a vigência da Lei 9.131/95, houve uma inversão: o Ministério da Educação passou a contar com a colaboração do Conselho Nacional de Educação – CNE. No artigo 7º, é definido que o CNE, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministério da Educação, "de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional".


 

A composição das Câmaras, definida no artigo 8º da Lei, é de doze conselheiros em cada uma, sendo membros natos, na Câmara de Educação Básica, o Secretário de Educação Fundamental (atualmente, o Secretário de Educação Básica) e na Câmara de Educação Superior, o Secretário de Educação Superior, ambos do Ministério da Educação. A escolha e a nomeação dos conselheiros é feita pelo Presidente da República , sendo que, pelo menos a metade, obrigatoriamente, dentre os indicados em listas elaboradas especialmente para cada Câmara, é feita mediante consulta a entidades da sociedade civil, relacionadas às áreas de atuação dos respectivos colegiados: para a Câmara de Educação Básica, indicações feitas por entidades nacionais, públicas e privadas, que congreguem os docentes, dirigentes de instituições de ensino e os Secretários de Educação dos Municípios, dos Estados e do Distrito Federal; para a Câmara de Educação Superior, indicações feitas por entidades nacionais, públicas e privadas, que congreguem os reitores das universidades, diretores de instituições isoladas, os docentes, os estudantes e segmentos representativos da comunidade científica.


 

Na escolha dos nomes, será levada em consideração a necessidade da presença de representantes de todas as regiões do país e de todas as modalidades de ensino, devendo incidir sobre "brasileiros de reputação ilibada, que tenham prestado serviços relevantes à educação, à ciência e à cultura"(parágrafo 4º do artigo 8º).


 

A Lei nº. 9394, de 23 de dezembro de 1996, atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, refere-se ao Conselho Nacional de Educação no parágrafo 1º do artigo 9º, afirmando que, "na estrutura educacional haverá um Conselho Nacional de Educação, com funções normativas e de supervisão e atividade permanente, criado por lei".


 

Os Conselhos Estaduais de Educação foram criados e organizados, em sua maioria, a partir de 1961, atendendo ao texto da Lei 4024, de 20 de dezembro de 1961, que, referia-se a eles, no parágrafo 2º do artigo 9º, dando-lhes a incumbência de autorizar e fiscalizar os estabelecimentos estaduais isolados de ensino superior e, no artigo 10: que definia:


 

Art. 10. Os Conselhos Estaduais de Educação organizados por leis estaduais, que se constituírem com membros nomeados pela autoridade competente, incluindo representantes dos diversos graus de ensino e do magistério oficial e particular, de notório saber e experiência em matéria de educação, exercerão as atribuições que esta lei lhes consigna.


 

Esses conselhos seguiram, em sua maioria, o modelo do então Conselho Federal de Educação, possuindo função normativa e de supervisão, e atuando de forma suplementar ao Conselho de âmbito federal. O número de membros, as atribuições e a forma de investidura são definidos em lei própria de cada estado.


 

A possibilidade de criação dos Conselhos Municipais de Educação surgiu a partir da Lei 5692, de 11 de agosto de 1971, mais especificamente em seu artigo 71 que definia:


 

Art. 71. Os Conselhos Estaduais de Educação poderão delegar parte de suas atribuições a Conselhos de Educação que se organizem nos Municípios onde haja condições para tanto.


 

A criação desses Conselhos, feita mediante lei de cada município, não é obrigatória, já que os municípios podem optar por se integrar ao sistema estadual de ensino ou compor com ele um sistema único de educação básica ( parágrafo único do artigo 11 da LDBEN). No entanto, existem mais Conselhos Municipais de Educação do que Sistemas Municipais de Educação legalmente constituídos. Logicamente, que cada município, em lei própria, define a composição e atribuições do respectivo Conselho.


 

São muitas as restrições à atuação dos Conselhos de Educação, quer seja em nível nacional, estadual ou municipal. Aqui mesmo neste blog, em uma das postagens - "Os conselhos estaduais de educação e os princípios constitucionais da administração pública"- criticamos a falta de aplicação, no Conselho Estadual de Educação do Espírito Santo, do princípio da publicidade.


 

A Ação Educativa, organização fundada em 1994, "com a missão de promover os direitos educativos e da juventude, tendo em vista a justiça social, a democracia participativa e o desenvolvimento sustentável no Brasil", publicou , em 6 de agosto de 2009, em seu site, resultados de pesquisa realizada pelo Portal Observatório da Educação sobre a participação da sociedade nos conselhos estaduais de educação, concluindo que ela ainda é incipiente.


 

A pesquisa foi feita pela internet e, segundo o relatório, os pesquisadores esbarraram na falta de acesso a informações sobre a composição dos conselhos, a forma de escolha dos conselheiros e endereço e telefone das sedes, apesar de apenas seis dos 27 conselhos pesquisados não possuírem site próprio, "embora a maioria dos sites existentes careça de informações básicas – como a legislação mais atual que regulamenta os conselhos, por exemplo, ou os nomes dos atuais conselheiros".


 

Dos 27 conselhos pesquisados, 10 não preveem nenhum tipo de representação de segmentos em suas respectivas leis; cinco mencionam a participação de entidades, mas sem especificar a forma de escolha, e 11 estabelecem o número de conselheiros para cada setor, entre público, privado, docentes, pais e alunos.


 

Alguns estados prevêem, inclusive, a participação de pais e alunos em seus conselhos, geralmente com indicação de suas entidades representativas: oito incluem a participação de alunos, dos quais sete incluem também os pais em suas composições. Entre esses é incluído o Espírito Santo.


 

No Pará e no Tocantins, também consta da lei a participação de membros do Legislativo. No Ceará, a possibilidade, explicitada na Constituição Estadual, de parlamentares indicarem membros para o conselho foi questionada por uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.


 

Ocimar Munhoz Alavarse, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo e membro do Conselho Municipal de Educação de São Paulo, em entrevista ao Portal Observatório da Educação, defende uma maior representação da sociedade nos conselhos, embora, segundo ele, "haja um problema de origem, que é quem indica os conselheiros. O chefe do executivo acaba tendo um poder muito grande para fazê-lo. Na verdade, absoluto".


 

E complementa:


 

O risco de não haver nenhum tipo de representação de segmentos nos conselhos é que os órgãos se tornem meros espaços de lobby ou de chancelamento das decisões da Secretaria. Uma questão central é o alcance das decisões desses conselhos, que ficam muito subordinados às Secretarias. É preciso ampliar o poder deles, que é muito centralizado nas mãos do Executivo.


 

Cita, ainda a pesquisa, segundo ela, "um outro indicativo de 'confusão' sobre a autonomia dos conselhos em relação à Secretaria", que é o fato de que muitos deles têm seus respectivos secretários de educação como membros natos. É o caso do Acre, Alagoas, Amapá, Distrito Federal, Mato Grosso, Pará, Sergipe e Tocantins.


 

Ainda segundo o resultado da pesquisa, em todos os estados, a nomeação dos conselheiros é feita por ato dos respectivos governadores. No Amazonas, em Goiás e no Piauí, os nomes precisam ser aprovados pela Assembleia Legistativa.


 

O número de reconduções permitidas também varia de acordo com a legislação de cada estado: Goiás, Maranhão e São Paulo não estabelecem restrições ao número de renovações de mandato. Assim, segundo a pesquisa, há casos de conselheiros que exercem o cargo há mais de oito anos.


 

Anteriormente, em 17 de dezembro de 2007, uma outra publicação da Ação Educativa com o título "Formas de nomeação e participação da sociedade dividem opiniões de conselheiros de educação", critica, além dos itens citados - nomeação e participação - o desconhecimento da sociedade da atuação dos conselhos de educação:


 

Em 15 de agosto de 2007, o Conselho Estadual de Educação [ de São Paulo] teve renovação de mandato de seus conselheiros. Foi reconduzido ao cargo de presidente o médico Pedro Salomão José Kassab, pai do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (DEM).

A recomposição do conselho não foi noticiada. Embora existam conselhos de educação nas três esferas de governo, a sociedade não tem informações sobre as atribuições, funcionamento e mesmo composição destes órgãos


 

Comenta, ainda, a falta de informações disponíveis sobre os conselheiros, como atuação profissional, formação e endereço eletrônico para contato, bem como do próprio conselho, como funcionamento, deliberações e relação com os respectivos órgãos de gestão do poder executivo.


 

Foi constatado, mediante entrevistas realizadas pelo Observatório da Educação, que a forma de composição desses conselhos e a possibilidade de participação da sociedade civil não são temas de consenso entre seus integrantes. Alguns conselheiros defenderam a prerrogativa do Poder Executivo de nomeação dos cargos, enquanto outros discordam. E cita que Marcos Mendonça, do Conselho Municipal de São Paulo ( CME ), "considera anacrônica a lei que criou os conselhos no município e sugere um projeto de lei de iniciativa popular para permitir a eleição de seus membros e aumentar as possibilidades de participação". José Augusto Dias, também do CME de São Paulo discorda, dizendo que o órgão exerce funções de um conselho técnico, não político, e por isso não cabe à sociedade civil intervir.


 

Pedro Salomão Kassab, então presidente do Conselho Estadual de São Paulo, por sua vez, concorda com a forma de composição dos conselhos que, para ele, devem ser constituídos por pessoas de confiança de quem foi eleito governador.


 

A relação público-privado também é abordada na publicação:


 

Em relação à composição, os mesmos conselhos têm em comum a presença marcante de membros vinculados à educação privada. No CME de São Paulo, 39% dos conselheiros, entre titulares e suplentes, guardam estreita relação com o ensino superior privado. Um dos membros, representando 6% do Conselho, atua nos dois – público e privado. No CEE de São Paulo, 48% dos membros são vinculados ao ensino privado, enquanto 3% têm relação com os dois setores e 10% não possuem ligação direta com Educação.

Para comparar, conselheiros organicamente vinculados a instituições estatais de Ensino Superior correspondem a 16% das vagas no Conselho Municipal, e 21% no Conselho Estadual.

Mais crítico que a sub-representação do ensino superior estatal é a sub-representação da educação básica pública. No Conselho Municipal, 28% dos componentes guardam relação com essa esfera da educação. No Conselho Estadual, 10% dos componentes ( 3 dos 29 membros, dos quais apenas 1 é titular ) são vinculados ao ensino básico público. Por sua vez, conselheiros ligados ao setor particular da educação básica correspondem a 14% das cadeiras disponíveis no CEE.

No Conselho Nacional de Educação, os representantes titulares ligados à educação básica ocupam 75% das vagas, sendo 46% vinculados a instituições de Ensino Superior, 17% à educação básica e 12,5% aos dois níveis. Ainda assim, verifica-se forte presença do setor privado, sobretudo no que se refere ao Ensino Superior – 25%.


 

E conclui:


 

Embora exerçam mandatos públicos, a falta de informação sobre sua existência – que inviabiliza o monitoramento sobre sua atuação– torna os membros dos conselhos pessoas públicas privadas: ninguém sabe quem são.


 


 

Em publicação do Portal Observatório da Educação datada de 23 de julho de 2009, o mesmo tema é discutido, sendo citada a dissertação de mestrado "Conselho Estadual de Educação do Tocantins: sua trajetória e o desafio da autonomia" em que a autora, Rachel Bernardes Lima, afirma que a lógica cartorial persiste nos conselhos, e que muitos deles servem apenas para chancelar decisões políticas. "O executivo resolve, traça planos, levanta programas educacionais e manda para o Conselho apenas aprovar", afirmando, ainda :


 

A sociedade é pouco ouvida. Na minha pesquisa, eu percebi que essa função do conselho de ser a ponte entre os órgãos governamentais e a sociedade não existe. Muitas vezes, ele é ligado apenas ao governo".


 

Em Minas Gerais, o movimento "Educação que queremos!"
que conta com a participação do Sind-UTE, Sinpro-Minas, Blog da UCMG, Uncme-MG, FETAEMG, MSU ( Movimento dos Sem Universidade) , Federação Quilombola de Minas Gerais, UEE-MG, incluiu, entre suas principais propostas, a democratização do Conselho Estadual de Educação e dos Conselhos Municipais de Educação, considerando que eles


 

representam um espaço de partilha entre governos e setores organizados da sociedade civil, pressupondo cessão de soberania por parte dos governos, assim como um espaço amplo de democracia e de participação direta da sociedade brasileira.


 

Segundo o artigo, um estudo elaborado pelo Sinpro-Minas, o Conselho Estadual de Minas Gerais é um dos menos democráticos do Brasil, não privilegiando, em sua composição, a participação de pais, alunos e trabalhadores. Além disso, a "grande maioria"dos seus membros representa interesses do setor privado da educação. Outro aspecto, considerado como irregularidade pelo movimento, é que a nomeação para um mandato de quatro anos e a recondução ao cargo ficam a critério do governador.

Além disso, a Lei delegada 172 /2009 de Minas Gerais estabelece que os conselheiros não precisam mais passar pela sabatina dos deputados estaduais como ocorria anteriormente, "fragilizando, ainda mais, o controle social do Conselho".


 

Assim, a pauta de reivindicações do Movimento "Educação que queremos", inclui:


 

-transformação do conselho em uma política de Estado e autônomo da vontade política dos governos ou partidos para o seu pleno funcionamento;

-democratização de sua composição, assegurando uma participação equânime, que contemple todos os segmentos sociais envolvidos na temática;

-indicação direta dos segmentos sociais pelas suas entidades representativas e não pelo governador do Estado.


 


 

No Estado do Espírito Santo, a Lei Complementar nº. 401, de 16 de julho de 2007, redefiniu o funcionamento do Conselho Estadual de Educação – CEE, "órgão de deliberação coletiva do sistema estadual de ensino, de natureza participativa e representativa, exercendo funções de caráter normativo, consultivo, deliberativo e de assessoramento ao Secretário de Estado da Educação nas questões que lhe são pertinentes" ( artigo 1º).


 

O artigo 3º define a composição do Conselho, composta de brasileiros residentes no Estado, de reputação ilibada, com serviços relevantes prestados à educação, à ciência ou a cultura e experiência em matéria de educação, observada a devida representação das diversas regiões, dos diversos graus de ensino e a participação do ensino público e privado:


 

-1(um)representante da iniciativa privada, indicado pelo Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Estado do Espírito Santo – SINEPE;

-1 (um) representante de docente em exercício no magistério em escola da rede privada, indicado pelo Sindicato dos Professores de escolas Particulares – SINPRO;

- 1 (um) representante de docente em exercício no magistério na rede pública estadual de ensino, indicado pelo Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Estado do Espírito Santo – SINDIUPES;

- 1 (um) representante de pais e alunos, indicado pela Associação de Pais do Espírito Santo (ASSOPAES);

- 1 (um) representante da Universidade Federal do Espírito Santo, indicado pelo Reitor;

- 1 (um) representante das secretarias municipais de educação, indicado pela União dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME/ES;

- 1 (um)representante das instituições de Ensino Superior jurisdicionadas pelo CEE;

- 7 (sete)representantes de livre escolha do Governador do Estado, escolhidos entre representantes da comunidade acadêmico-científica.


 

O artigo 5º define que o mandato dos conselheiros é de quatro anos, admitida uma recondução para o período imediatamente subsequente.


 

A Constituição Estadual, em seu artigo 180, determina que:


 

Art. 180. Será garantido o caráter democrático na formulação da política do órgão colegiado responsável pela avaliação e encaminhamento das questões fundamentais da educação estadual e pela autorização e fiscalização do funcionamento das unidades escolares que ministram pré-escolar e os ensinos fundamental e médio, com a representação paritária entre a administração pública, a comunidade científica e entidades da sociedade civil representativa de alunos, pais de alunos, sindicatos e associações profissionais do ensino público e privado, na forma da lei ( os grifos são nossos) .


 

Analisando o texto constitucional, a Lei nº. 401/207 e o que realmente existe, lembramo-nos da fala do educador Anísio Teixeira ao fazer, nos anos 30, uma análise histórica do Brasil, afirmando que nossa sociedade convivia com a existência de dois mundos bem definidos: um mundo do sistema oficial e outro, o mundo vivido. Oitenta anos após, a afirmação do educador continua atual. Vejamos um fragmento do texto:


 

Nascemos assim: divididos entre propósitos reais e propósitos proclamados (...). A realidade, porém, é que nos acostumamos a viver em dois planos: o real, com suas particularidades e originalidades ( e aí eu digo, do mundo vivido) e o oficial com os seus reconhecimentos convencionais de padrões inexistentes. Continuamos a ser, atualmente, com a autonomia (conquistada), a nação da dupla personalidade, a oficial e a real.


 


 

E porque a análise da Lei que redefine o funcionamento do Conselho Estadual de Educação do Espírito Santo e a Constituição Estadual nos fez lembrar da análise que Anísio Teixeira fez do Brasil, nos anos 30?


 

Simplesmente, porque elas ( a Lei e a Constituição Estadual ) representam "o mundo do sistema oficial" de que falou Anísio Teixeira. E como é o mundo vivido?


 

O artigo 3º da Lei Estadual nº. 401/2007 define que, na escolha dos conselheiros, 14 (quatorze) no total, será "observada a devida representação das diversas regiões". Ora, o Conselho Estadual de Educação do Espírito Santo tem 12 (doze) conselheiros, dos quais 11 (onze) residem na Grande Vitória (Vitória, Vila Velha e Guarapari) e 1 (um) em Vargem Alta.


 

Estão aí representadas todas as regiões do Espírito Santo?


 

Importante frisar que o site do Conselho não traz os nomes dos Conselheiros e de seus suplentes e, no histórico, não se refere à Lei nº. 401/2007. A última lei de reestruturação do Conselho ali citada é a Lei Complementar nº. 186, de 31 de agosto de 2000.


 

Na composição do Conselho, consta a participação de 1 (um) representante de docente em exercício na rede pública estadual de ensino, indicado pelo SINDIUPES (art. 3º, III) e 1 ( um) representante de pais e alunos, indicado pela ASSOPAES (art. 3º, IV). Não existe no Conselho representantes desses segmentos. Não sabemos o motivo da exclusão. Será que o SINDIUPES e a ASSOPAES não fizeram a indicação, no prazo estipulado no parágrafo 1º do artigo 4º da Lei?


 

Ora, não existe justificativa plausível para a não participação desses dois segmentos no Conselho, pois na falta de indicação, o parágrafo 3º do artigo 4º define que "a não indicação de representantes no prazo legal permitirá ao Poder Executivo a nomeação de substituto, preferencialmente, membro da categoria representada". Apesar de nos perguntarmos, se for o caso, qual seria o motivo para o SINDIUPES e a ASSOPAES não fazerem as indicações de seus representantes?


 

Por outro lado, a Lei refere-se a 1(um) representante de pais e alunos indicados pela ASSOPAES, enquanto a Constituição privilegia a entidade da sociedade civil representativa dos alunos. A ASSOPAES representa os pais dos alunos.


 

Apesar de considerarmos que a situação no Conselho do Espírito Santo é bem melhor do que aquela apontada pelo Observatório da Educação, em São Paulo, e pelo Movimento " Educação que queremos!" , de Minas Gerais, muito ainda deve ser feito para que ele se adeque aos princípios democráticos, fazendo valer a garantia constitucional de uma gestão democrática da educação em nosso Estado.


 

Para Bordignon (2004), "o exercício da democracia clama cada vez mais pela participação da sociedade na gestão das instituições públicas".


 

E complementa:


 

Os conselhos, situados agora como fóruns da voz plural da sociedade na gestão dos sistemas de ensino, assumem características de órgãos de Estado, não mais de governo. Ou seja: falam ao governo em nome da sociedade, não mais o contrário, como era praxe nos sistemas centralizados e pouco democratizados. E, para falar em nome da sociedade, precisam conter, em sua composição, a representação das diferentes categorias de atores sociais a quem pertence e interessa o projeto educativo, para que sua voz, a ser ouvida pelo governo, traduza as diferentes aspirações, os diferentes pontos de vista da sociedade.


 


 

E comentando sobre a necessidade da representatividade de todos a quem a educação interessa para que o conselho seja realmente plural e represente a voz da sociedade, cita Hunter (2004 apud Bordignon, 2004) no livro "O monge e o executivo: uma história sobre a essência da liderança", relatando o estilo de gerência do seu chefe, que privilegiava a diversidade e a pluralidade de idéias, sem temê-las :


 

Meu chefe sempre me adverte e aos outros gerentes da fábrica para que não nos rodeemos de pessoas que dizem amém a tudo, ou pessoas iguais a nós. Ele gosta de dizer: ' Em nossas reuniões de executivos, se dez concordarem com tudo, nove provavelmente são desnecessários'.


 

Realmente, consideramos que um Conselho de Educação, para cumprir a sua verdadeira função, como representante das aspirações da sociedade, deve considerar todos os pontos de vista e analisá-los com discernimento. Se a sua composição for feita de tal forma que as suas decisões sejam as decisões do Governo, ele não cumprirá o seu papel. Será inócuo! Para que possam cumprir a sua função, "necessitam conter em si as diferentes percepções sociais, desde os diferentes 'pontos de vista'. Esse é o significado da representação das categorias sociais"(BORDIGNON, 2004).


 

Mas, consideramos, também que o caminho para a efetivação da participação dos diferentes segmentos sociais a quem concerne a educação, no caso agora em discussão, pais, alunos e professores da rede pública estadual, é uma estrada de mão dupla, cabendo a iniciativa dessa efetivação a qualquer uma das partes. Se a Lei e a Constituição Estadual não estão sendo cumpridas, cabe à ASSOPAES, ao SINDIUPES e à entidade representativa dos alunos exigir o seu cumprimento, pois certamente seus representantes farão muita diferença na atuação democrática do Conselho.


 

E citando, mais uma vez, Bordignon ( 2004 ):


 

Então vamos fazer novamente uma pergunta essencial: a quem pertencem os sistemas de ensino e as escolas públicas? A resposta óbvia seria: aos cidadãos, ao público. Se percebidas como pertencentes aos dirigentes, às corporações, estaremos diante da concepção patrimonialista do bem público, da apropriação, que leva ao jogo dos interesses dos "donos do poder". Ao contrário, se percebida como pertencendo ao "público", à cidadania, teremos a concepção democrática, cidadã, da "res pública", que leva ao jogo do projeto coletivo de vida. E nesta concepção, a participação deixa de ser mera "colaboração", para tornar-se exercício de poder dos cidadãos sobre aquilo que lhes pertence e que diz respeito aos objetivos coletivos. O cidadão governante é o novo ator do Estado democrático. Mudar a concepção de pertença do bem público é essencial para o efetivo exercício da cidadania, que se fundamenta na autonomia e na participação, como exercício de poder, e ambas, por sua vez, fundamentam o princípio da gestão democrática da educação pública. Essa mudança de paradigma, a Constituição e a LDB já instituíram, mas para que o novo paradigma tome efetivamente o lugar do velho, a caminhada das práticas sociais requer
insistência, persistência e presença na consciência dos cidadãos ( o grifo é nosso).


 


 

A gestão democrática da educação, portanto, implica diversidade de opiniões, diálogo e busca de respostas que possam contribuir para a melhoria da qualidade da educação sobre a ótica daqueles a quem ela concerne: pais, alunos e professores, aí incluídos. Ela é também, "ao mesmo tempo, transparência e impessoalidade, autonomia e participação, liderança e trabalho coletivo, representatividade e competência" (Cury, 2004). Nesse sentido, alinhamo-nos ao pensamento de Cury (2004), que chama a comunidade à participação e à ocupação do lugar que é seu por direito emanado do texto da Constituição Federal e demais documentos legais, expressando-se assim:


 

Mais do que à União e aos seus governantes, mais do que aos Estados e Municípios e aos governantes, cabe às comunidades educacionais, lideradas por seus dirigentes oficiais, ao conjunto dos docentes no exercício do magistério e às associações docentes dos sistemas de ensino ampliar a consciência da relevância desse princípio. Dessa consciência, mais e mais ampliada, será possível pressionar por uma explicitação da gestão democrática que faça avançar a educação escolar como instituição republicana aberta à representatividade e à participação e voltada para um

processo mais rico de ensino/aprendizagem que faça jus à educação como formadora da cidadania e qualificadora para o trabalho.


 

 
 

  

 
 
 


 


 


 


 

BIBLIOGRAFIA:


 


 

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