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O CENSO ESCOLAR 2011 E A REPROVAÇÃO NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Antes de colocar a questão dos parâmetros da qualidade isto é, de como medir a qualidade, a abordagem política do tema coloca em questão a própria noção de qualidade, relacionando-a ao tipo de escola ou de universidade que queremos, enfim, ao tipo de sociedade que queremos. E aponta a necessidade de se trabalhar primeiro o que condiciona a qualidade. Não tratar a qualidade como uma questão separada dos seus condicionantes. A qualidade na educação é o resultado das condições que oferecemos à ela. Para obtermos outra qualidade precisamos mexer primeiramente nessas condições. (Moacir Gadotti)


Não conseguimos nos acostumar com as notícias sobre o sistema educacional brasileiro e, muito menos, com aquelas que dizem respeito ao sistema de ensino do Espírito Santo. Quando teremos uma boa notícia? Ou, então, uma má notícia seguida de explicações coerentes e propostas de soluções que pareçam viáveis e seguidas de avaliações que demonstrem que os resultados foram alcançados?

No dia 17 de maio, o jornal "A Gazeta" noticiou: "Ensino médio: Dois em cada dez alunos não conseguem passar de ano". A reportagem informa que, segundo dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no Brasil, a taxa de reprovação no ensino médio foi a maior desde 1999, com 13,1%. E o Estado do Espírito Santo, apresentou o percentual de 18,4% de alunos reprovados no ensino médio, o quarto pior resultado do País! Os piores foram o Rio Grande do Sul, com 20,7% e o Rio de Janeiro e o Distrito Federal com 18,5%.

Considerando-se apenas a rede pública de ensino, a taxa de reprovação, no ensino médio do Estado do Espírito Santo, foi de 20,4%, (20,7% se for considerada apenas a rede estadual de ensino), superior à taxa nacional de 14,1% e a terceira pior taxa nacional: as piores foram a do Distrito Federal (22,3%) e a do Rio Grande do Sul (22,2%). As escolas particulares apresentaram uma taxa de reprovação de 5,4%, inferior à taxa nacional que foi de 6,1% e a 11ª menor taxa do País. A rede federal de ensino apresentou um percentual de 11,7% de alunos reprovados.

E a pior notícia, ainda: o Estado do Espírito Santo foi o Estado que apresentou o maior acréscimo no percentual de alunos reprovados, em relação ao ano de 2010: 4,7%, seguido dos estados da Bahia (3,2%), Amapá (2,8%), Roraima (2,8%) e Pernambuco (1,9%).

No ensino fundamental, o percentual de alunos reprovados no Estado foi de 11,2%, superior à taxa nacional que foi de 6,9%, apresentando o 12º pior resultado do País.

Considerando-se apenas a rede pública de ensino, a taxa de reprovação, no ensino fundamental do Estado do Espírito Santo, foi de 12,3% (14,2% se considerarmos apenas a rede estadual de ensino), superior à taxa nacional de 10,6% e a 13ª pior taxa do País. As escolas particulares apresentaram uma taxa de reprovação de 2,9%, inferior à taxa nacional de 3,5% e a 8ª melhor do País.

E as justificativas apresentadas pelos gestores da educação para esses resultados? Em nível nacional, o Ministro da Educação, Aloísio Mercadante, afirmou que

precisa um estudo mais aprofundado para analisar o aumento da taxa de reprovação no ensino médio em 2011 em relação aos anos anteriores. Para avaliar o ensino, a taxa de reprovação é um dos indicadores de fluxo. O outro é a qualidade do aprendizado. Como o ensino médio é predominantemente estadual e nós tivemos mudanças de governo em muitos estados no ano passado, novos secretários de educação, novas atitudes, novos procedimentos, talvez tenha aí alguma explicação. Mas eu não quero me adiantar antes de um estudo mais aprofundado (G1, 16 maio 2012).

No Estado do Espírito Santo, o Secretário de Estado da Educação, Klinger Barbosa Alves, afirmou que

um dos fatores que podem ter contribuído para o crescimento da reprovação no Estado foi a mudança nas regras da rede estadual. Até 2010, o aluno que ficasse reprovado em até duas disciplinas avançava de ano e fazia as matérias que devia no contraturno. Esse estudante era considerado aprovado e seguia pelo chamado Regime de Progressão Parcial (RPP) que acabou em 2011 (ALVES apud LYRIO, 17 maio 2012, p. 4).

Para ele, "esse é o primeiro resultado depois dessa mudança. Cremos que é um resultado bem mais transparente (...)", afirmou. (LYRIO, 17 maio 2012, p.4).

Por sua vez, a subsecretária de Educação, Adriana Sperandio, explicou, segundo o jornal "A Gazeta", que o fim do chamado RPP se deu por causa de uma reavaliação do sistema feito pela secretaria.

Vimos que priorizava a recuperação da nota e não do conteúdo. Hoje queremos que o aluno estude mais aquele conteúdo em que tem dificuldade, por isso a recuperação é trimestral (SPERANDIO apud LYRIO, 17 maio, 2012, p.4).

O secretário de Educação destacou na reportagem que uma das soluções para melhorar o resultado do sistema de ensino será "um programa de reforço em Português e Matemática para estudantes do 1º ano do ensino médio", série, segundo ele, "já reconhecida pela Sedu como um ponto sensível". Meu Deus! Só agora a Sedu reconheceu "esse ponto sensível"?

Bem, analisemos, inicialmente, a justificativa apresentada pelo ministro da Educação: para avaliar o ensino, segundo ele, são considerados dois indicadores: as taxas de reprovação e a qualidade da aprendizagem. E daí? O que ele quis dizer com isso? Será que foi que a aprendizagem é de qualidade, mas, mesmo assim, os alunos ficaram reprovados? Não entendi! Ainda considerou provável que as mudanças nos governos estaduais podem ter provocado o aumento nos índices de reprovação. Será?

Já no Espírito Santo, Estado que, infelizmente, ocupa sempre as piores colocações em avaliações dos resultados do sistema educacional, a desculpa apresentada foi a extinção, na rede estadual de ensino, do Regime de Progressão Parcial (RPP), instituto existente na educação, pelo menos, desde a Lei Orgânica do Ensino Industrial, instituída pelo Decreto- Lei nº. 4.073, de 30 de janeiro de 1942, que determinava em seu artigo 45:

Art. 45. O aluno inabilitado em segunda época em uma disciplina de cultura geral poderá matricular-se na série seguinte dependendo dessa matéria.

§ único. O aluno matriculado na forma deste artigo fica dispensado da frequência na matéria que dependa, ficando, porém, obrigado aos exames a ela referentes.

Portanto, o termo "progressão parcial" usado pela atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional- Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, em seu artigo 24, III é novo, mas o instituto da "dependência" remonta, até onde conseguimos chegar, ao ano de 1942. A LDB anterior, Lei 5.692, de 11 de agosto de 1971, também já atribuía às escolas a decisão sobre a adoção ou não do que hoje é definido como progressão parcial.

Art. 15. O regimento escolar poderá admitir que, no regime seriado, a partir da 7ª série, o aluno seja matriculado com dependência em uma ou duas disciplinas, áreas de estudo ou atividades da série anterior, desde que preservada a sequência do currículo.

Além disso, o Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, que representa a "conjugação de esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, atuando em regime de colaboração, das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da educação básica" (art. 1º), privilegiou a progressão parcial como uma das 28 diretrizes pautadas em resultados de avaliação de qualidade e de rendimento dos estudantes. Assim, o artigo 2º do Decreto nº. 6.094, de 24 de abril de 2007, define:

Art. 2º. A participação da União no Compromisso será pautado pela realização direta, quando couber, ou, nos demais casos, pelo incentivo e apoio à implementação, por Municípios, Distrito Federal, Estados e respectivos sistemas de ensino, das seguintes diretrizes:

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IV- combater a repetência, dadas as especificidades de cada rede, pela adoção de práticas como aulas de reforço no contraturno, estudos de recuperação e progressão parcial (os grifos são nossos);

É importante citar que o Estado do Espírito Santo aderiu ao Compromisso Todos pela Educação (Sedu, p.21, 2008), mas, a Secretaria de Educação, na contramão das orientações legais, ao invés de aperfeiçoar os critérios e a sistemática da progressão parcial, resolveu, simplesmente, aboli-la do Regimento Comum das Escolas da Rede Estadual de Ensino. E, agora, a mudança é utilizada como desculpa para os altos índices de reprovação, que, segundo o secretário de Educação, representa "um resultado bem mais transparente". Infelizmente, pelo menos um dos resultados esperados das "ações implementadas" com o Plano Estratégico Nova Escola não foi alcançado: ao invés de referência pela qualidade do ensino, o que os dados informam é que o Estado é referência por apresentar um dos piores resultados do País.IUVisão URO 2011

VISÃO DE FUTURO 2011

Em 2011, a educação pública no Espírito Santo será referência nacional em qualidade de ensino e oportunidades de aprendizagem, figurando entre as melhores colocadas do país nas avaliações de resultados (os grifos são nossos (Sedu, 2008, p. 31).

Quando da alteração do Regimento que culminou com a extinção do regime de progressão parcial, publicamos neste blog o artigo "Progressão parcial e o Regimento Comum das Escolas da Rede Estadual de Ensino". Nele, analisamos os dados do Censo Escolar 2007, no que diz respeito à aprovação/reprovação/evasão de alunos da rede estadual de ensino e das escolas particulares. Vejamos os dados que foram apresentados no que se relaciona à reprovação:

Em 2007, foram efetivadas 138.374 matrículas no ensino fundamental em escolas públicas estaduais e 60.040 matrículas em escolas particulares. Desses, 18.320 foram reprovados nas escolas públicas e 1.549 nas escolas privadas. Esses dados significam que, no ensino fundamental, o índice de reprovação nas escolas estaduais foi de 13,90% e, nas escolas privadas, de 2,58%.

No ensino médio, o número de matrículas na rede pública estadual foi de 116.518 e, nas escolas privadas, foi de 21.623. O número de alunos reprovados em escolas estaduais foi de 12.728, representando 12,76% dos alunos que concluíram o ano letivo. Nas escolas privadas, o número de reprovados foi de 1.085 alunos, representando 5,04% desse total. (JESUS, 5 FEV. 2010)

Ambas as redes utilizavam a progressão parcial. Mas as diferenças de resultados são gritantes! E é justamente naquela rede de ensino em que o número de alunos reprovados a cada ano é bem maior que as oportunidades oferecidas são menores! Isto porque, na época, fizemos uma pesquisa via telefone com um grande número de escolas privadas e, pasmem! 100% delas utilizam a progressão parcial no ensino médio e, a grande maioria, nas séries finais do ensino fundamental.

É inadmissível que um aluno que não logrou aprovação em uma ou duas disciplinas seja obrigado a repeti-las juntamente com aquelas em que demonstrou aprendizagem suficiente. A progressão parcial é, justamente, o procedimento que permite ao aluno novas oportunidades de estudos naqueles componentes curriculares nos quais apresente deficiências, oportunizando, ao mesmo tempo, que ele avance em componentes para os quais já apresentou domínio do conhecimento. É um procedimento que evita o desestímulo do aluno frente a uma reprovação. Mas, para que ela realmente funcione, é necessário que as escolas se organizem e que uma estratégia específica seja definida para que a aprendizagem realmente ocorra. Não pode ela, a progressão parcial, servir apenas como uma máscara que oculte os verdadeiros índices de produtividade do sistema educacional.

Uma solução para a melhoria da aprendizagem nas escolas estaduais apresentada pelo secretário de Educação é o reforço em Português e Matemática que, segundo ele, é "um ponto sensível" já detectado pela Sedu. Ora, quando esse "ponto sensível" foi detectado? Todos sabem que não é necessário ser pedagogo para reconhecer esse "ponto sensível". Todos já sabem disso! Mas, vejam bem, o secretário disse que o reforço vai começar no mês de junho! Isto é, quatro meses após o início das aulas! Desculpem-me, mas não é assim que se faz recuperação! Nem assim e nem "trimestral" como afirmou a subsecretária de Educação! É a sugestão da especialista de "A Gazeta", Gilda Cardoso, que deveria ser adotada: a extensão das atividades dos estudantes no contraturno, privilegiando o reforço escolar em detrimento, se necessário, das atividades culturais e esportivas que vêm sendo oferecidas, conforme estabelece o artigo 2º, IV, do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação, do qual o Estado do Espírito Santo é signatário, como já afirmamos, como forma de combater os altos índices de repetência. Porém, a Secretaria de Educação não adota, na forma de ações, os compromissos assumidos, talvez porque os seus "didacotecas" se acham suficientemente competentes para optar por ações que não se coadunam com as diretrizes traçadas por especialistas para superar a má qualidade do ensino público oferecido no Brasil e, em especial, no Espírito Santo.


BIBLIOGRAFIA

BRASIL tem maior taxa de reprovação no ensino médio desde 1999. G1, São Paulo, 16 maio 2012. Disponível em: <http://g1.globo.com/vestibular-e-educacao/noticia/2012/05/brasil-tem-maior-taxa-de-reprovacao-no-ensino-medio-desde-1999.html>. Acesso em: 18 maio 2012.

GONÇALVES, Lúcia. Reprovação no ensino médio chega a 18,4% no Estado. Gazetaonline, Vitória, 16 maio 2012. Disponível em: <http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2012/05/a_gazeta/minuto_a_minuto/1236390-reprovacao-no-ensino-medio-chega-a-18-4-no-estado.html>. Acesso em: 18 maio 2012.

JESUS, Marlucia Pontes Gomes. A progressão parcial e o regimento comum das escolas da rede estadual de ensino do Estado do Espírito Santo. Damarlu Educação, Guarapari, 5 fev. 2010. Disponível em: <http://www.damarlueducar.blogspot.com.br/2010/02/progressao-parcial-e-o-regimento-comum.html>. Acesso em: 19 maio 2012.

LYRIO, Elton. Dois em cada dez alunos não conseguem passar de ano. A Gazeta, Vitória, 17 maio 2012, p. 4.

SECRETARIA DE ESTADO DA EDUCAÇÃO (Espírito Santo). Nova Escola. Plano Estratégico. Vitória, 2008. Disponível em: <http://www.sedu.es.gov.br/download/0505_livro_plano_estrategico.pdf>. Acesso em: 19 maio 2012.