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NOME SOCIAL: INCLUSÃO E RESPEITO À DIVERSIDADE IV


 

A importância do nome social para a vida escolar é gigante. Porque o que eu já vi... Eu não pude viver isso porque na minha época de escola era impossível pensar numa coisa dessas, mas quando eu vejo hoje essas mudanças em termos de saúde, de educação, agora com as medidas que estão sendo tomadas, resoluções... é um passo super importante para diminuir inclusive a evasão escolar, fazendo com que elas tenham um pouco mais de dignidade. Lógico que não vai solucionar todos os problemas de um rapaz ou uma menina no processo transexualizador, mas vai dar pelo menos uma chance dela respirar nessa turbulência que tem com relação a esse encontro de identidade a viver num mundo em que todo mundo é diferente, mas ao mesmo tempo não se aceita. A diferença é tratada como uma coisa negativa. Então ela vai poder respirar pelo menos um pouco, porque eu acho que as coisas só mudam se tiver um embasamento na educação. Eu acredito muito na educação como forma de mudança de uma sociedade, assim como de mudanças pessoais.

(Depoimento de Maitê Schneider Caldas de Miranda, transsexual,em CARTOGRAFIAS DA TRANSEXUALIDADE: A EXPERIÊNCIA ESCOLAR E OUTRAS TRAMAS, dissertação do Mestrado em Educação da Universidade Federal do Paraná, de DAYANA BRUNETTO CARLIN DOS SANTOS).


 

Surpreende-me a notícia publicada no jornal "A Gazeta" do dia 6 de novembro de 2013, na Coluna Victor Hugo:

A OAB-ES vai ingressar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça para permitir que transexuais e travestis possam utilizar o nome social nas escolas particulares e públicas de Vitória. Aprovada na Câmara de Vereadores, a Lei 9.548 determina que as instituições de ensino utilizem somente o nome civil dos estudantes nos registros de documentos escolares. Desta forma, transexuais e travestis são tratados pelo nome que não reconhecem como seu (XIMENES, 2013). ( o grifo é nosso).

Na verdade, a lei é a de nº. 8.457, de 17 de abril de 2013, publicada em 22 de abril de 2013. E é de autoria do então vereador Esmael de Almeida. O Projeto de Lei de nº. 120/2011 teve o veto derrubado em 05/03/2013.

Para a OAB,

A lei viola a dignidade da pessoa humana. A Constituição estabelece proteção igual a todos independentemente da orientação sexual. O Estado, segundo a OAB – ES, não pode criar barreiras para a inclusão e a obrigatoriedade causa constrangimento em sala de aula e em todo o âmbito escolar, fazendo com que ocorra evasão (XIMENES,2013).

A nossa surpresa se deve ao fato de que, em 7 de fevereiro de 2012, o mesmo jornal publicou artigo sob o título: "Escolas de Vitória: transexual já
pode ter novo nome na chamada". E o teor da notícia:

A partir de agora, as escolas da rede municipal da Capital serão obrigadas a incluir o nome social de alunos travestis e transexuais na chamada escolar.

A medida foi publicada no dia 04 de fevereiro, mediante a Portaria nº. 064/2012 da Secretaria Municipal de Educação, que homologa a Resolução Nº 10/2011, do Conselho Municipal de Educação de Vitória - COMEV, que dispõe sobre a inclusão e o uso do nome social nos registros escolares internos das Unidades Escolares da Rede de Ensino Municipal de Vitória.

O artigo 1º da Resolução nº. 10/2011 reza:

Art. 1º. Determinar que as escolas da Rede Municipal de Ensino de Vitória/ES, em respeito à cidadania, aos direitos humanos, à diversidade, ao pluralismo e à dignidade humana, devem incluir o nome social de travestis e transexuais nos registros escolares – diários de classe, listas de divulgação pública no interior e na parte externa das escolas, crachás e outros registros similares - para garantir inclusão dessas (es) cidadãs (ãos) no processo de escolarização, de aprendizagem e de convivência no contexto escolar.

Segundo a Portaria, os alunos maiores de 18 anos deveriam fazer a solicitação, por meio de requerimento, no momento da matrícula ou no decorrer do ano letivo, enquanto os menores de 18 anos deveriam ter a autorização dos pais ou responsáveis na solicitação. Define, ainda, que o nome civil deveria acompanhar o nome social em todos os registros e documentos escolares internos, enquanto no histórico escolar e no certificado de conclusão do curso deveria constar apenas o nome civil.

Com a citada Portaria, a Secretaria Municipal de Educação acompanhou a decisão da Prefeitura Municipal de Vitória, que, no dia 1º de julho de 2011, fez publicar, no jornal "A Tribuna", o Decreto nº. 15.074, dispondo sobre a inclusão do nome social de pessoas travestis e transexuais nos registros municipais relativos a serviços públicos prestados no âmbito da Administração Direta e Indireta.

Além disso, acompanhou a medida já tomada pela Secretaria Estadual de Educação, que homologou, em 20 de março de 2011, a Resolução CEE/ES nº. 2.735, que regulamentou a adoção do nome social nas escolas públicas e privadas do Estado, e, na ocasião, passou a fazer parte do grupo dos 5 municípios brasileiros a adotarem a mesma medida. Os 4 outros municípios eram: Belo Horizonte, Fortaleza, João Pessoa e Contagem (MG).

Outrossim, é importante citar que a medida segue orientação do Ministério da Educação que, mediante a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD, encaminhou, em 27 de novembro de 2009, ao Conselho de Secretários Estaduais de Educação – CONSED e à União dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME, solicitação de que essas entidades, juntamente com os seus associados, estudassem a possibilidade de adotar medidas sobre a demanda de inclusão do nome social de travestis e transexuais nos registro escolares.

Por outro lado, se, em fevereiro de 2012, o município de Vitória estava entre os 5 municípios que adotavam o nome social em suas escolas, hoje, ele estaria entre os 7 municípios que adotam o nome social nas escolas. Na verdade, um número insignificante se considerarmos os 5.564 municípios do País. Aliás, segundo o IBGE (Terra, 2012), 98% das cidades não tem lei específica para homossexuais. E segundo o Perfil dos Municípios Brasileiros 2011,

Dos 5.564 municípios, 54 adotam alguma legislação que reconheça o nome social adotado por travestis e transexuais, o equivalente a 1% do total. A região Nordeste tem o maior número de prefeituras (23) que levam em conta essa questão. No Sudeste, são 21 municípios que adotam legislação que levam em consideração o nome social de travestis e transexuais. Na região Sul, são seis cidades, pouco acima das quatro do Centro-Oeste. No Norte, nenhum município admite tal reconhecimento (Terra, 2012).

No que diz respeito às unidades da Federação, a situação é diferente: 19 estados possuem legislação sobre a adoção do nome social de travestis e transexuais, inclusive estados da região Norte.

Felizmente, no dia 07 deste mês, a Câmara Municipal aprovou o Projeto de Lei nº. 405/2013 de autoria do vereador Luiz Emanuel (PSDB), que dispõe sobre os parâmetros para a inclusão de nome social de travestis e transexuais nos registros Escolares do Sistema Municipal de Ensino de Vitória. Desta vez, aqueles mesmos vereadores que derrubaram o veto do Prefeito manifestaram-se a favor do novo PL, talvez porque não contem mais, entre seus pares, da presença do Senhor Esmael de Almeida, que tomou posse no cargo de Deputado Estadual, no dia 11 de novembro deste.

Esperemos, agora, para ver os possíveis "estragos" a serem feitos por Sua Excelência, o Senhor Deputado Esmael de Almeida, que, em seu discurso de posse, afirmou que vai se pautar pela "ética, transparência e princípios bíblicos" (apud VALFRÉ, 2013), acrescentando que:

Não temos como não nos opor a leis e decretos que implantem sistema anticristão e imoral em nosso país, que produzem filhos de famílias desajustadas, que apoiem o aborto, que levam educação didática do sexo nas escolas, distribui preservativos (apud VALFRÉ, 2013).

E ressaltou:

Entendemos que a Bíblia é um livro histórico, mas é também um livro espiritual, divino. Seus valores transcendem o que está escrito e transmitem uma mensagem para o viver melhor. É impossível exercer função pública honestamente sem Deus e os ensinamentos bíblicos (apud VALFRÉ, 2013).

Esperamos que o nobre Deputado além da Bíblia, logicamente, utilize, no desempenho de suas funções, a Constituição Federal, promulgada para instituir um Estado Democrático,

destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias (Constituição Federal da República Federativa do Brasil , 1988).

Que o nobre Deputado considere, ainda, que tal como no Livro Sagrado, os valores da Constituição Federal transcendem o que está escrito e transmitem mensagens para que todos possam viver melhor, independentemente de origem raça, sexo, cor, idade e identidade de gênero. E impõe ao legislador, ao homem público, o dever de lutar pela realização de políticas públicas destinadas à promoção da cidadania e respeito às diferenças entre os homens.


 

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Constituição (1988). Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 14 nov. 2011.

CÂMARA aprova projeto sobre "Nome Social" proposto por Luiz Emanuel. Notícias (Câmara Municipal de Vitória), Vitória, 8 nov. 2013.

JESUS, Marlucia Pontes Gomes de Jesus. Nome social: inclusão e respeito à diversidade. Damarlu Educação, Vitória, 6 jun. 2011. Disponível em: <http://www.damarlueducar.blogspot.com.br/2011/06/nome-social-inclusao-e-respeito-ao_06.html>. Acesso em: 13 nov. 2013.

______. Nome social: inclusão e respeito à diversidade II. Damarlu Educação, Vitória, 7 jul. 2011. Disponível em: <http://www.damarlueducar.blogspot.com.br/2011/07/nome-social-inclusao-e-respeito.html>. Acesso em: 13 nov. 2013.

______. Nome social: inclusão e respeito à diversidade III. Damarlu Educação, Vitória, 23 fev. 2012. Disponível em: <http://www.damarlueducar.blogspot.com.br/2012/02/nome-social-inclusao-e-respeito.html>. Acesso em: 13 nov. 2013.

JUNIOR, Cirilo. IBGE: 98% das cidades não tem lei específica para homossexuais. Terra, Rio de Janeiro, 13 nov. 2012. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/brasil/cidades/ibge-98-das-cidades-nao-tem-lei-especifica-para-homossexuais,d6a8af97a555b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html>. Acesso em: 14 nov. 2013.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (Brasil). Parecer Técnico nº. 141/2009 – CGDH / DEIDHUC / SECAD/ MEC. Brasília, 27 nov. 2009. Disponível em: <http://www.abglt.org.br/.../MEC%20SECAD%20Parecer%20141%202009.pdf>. Acesso em: 14 nov. 2013.

SANTOS, Dayana Brunetto Carlin. Cartografias da transexualidade: a experiência escola e outras tramas.2010. 210 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2010. Disponível em: ligabrasileiradelesbicaspr.blogspot.com/p/dissertacao-dayana.html‎>. Acesso em: 12 nov. 2013

VALFRÉ, Vinícius. Esmael critica educação sexual e camisinha nas escolas. A Gazeta, Vitória, p. 36, 12 nov. 2013.

XIMENES, Leonel. OAB entra com ação em favor dos gays. A Gazeta, Vitória, p. 6, 6 nov. 2013.