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MONTEIRO LOBATO E A EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICORRACIAIS II


 

"Uma calúnia na imprensa é como a relva num belo prado: cresce por si mesma." (Victor Hugo)

"A imprensa é o dever da verdade". (Rui Barbosa)

"Muitos homens cometem o erro de substituir o conhecimento pela afirmação de que é verdade aquilo que eles desejam". (Bertrand Russell – Filósofo inglês)


 

O jornal "A Gazeta" do dia 4 de junho deste ano trouxe a notícia: Liberada obra de Monteiro Lobato nas salas de aula". E o seu conteúdo:

O Conselho Nacional de Educação (CNE) decidiu rever o parecer sobre o livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, que determinava que a obra não fosse
distribuída em escolas públicas ou que as editoras inserissem uma nota explicativa no livro sobre
suposto teor racista, principalmente nos trechos em que Tia Anastácia é comparada a animais, como urubu, macaco e feras africanas. A partir de agora, o livro está liberado, mas terá uma explicação sobre o contexto em que foi escrito, especialmente por ter sido produzido no período em que pouco se falava em preconceito racial (...) (os grifos são nossos).

No dia 17 de maio, entre "conteúdos que deram o que falar" em livros didáticos, novamente a notícia:

O livro "Caçadas de Pedrinho" foi vetado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). O conteúdo foi considerado racista em outubro do ano passado. O veto foi derrubado pelo ministro da Educação Fernando Haddad, que solicitou uma revisão, o que não ocorreu até hoje. Agora, o MEC vai enviar a obra com duas páginas, indicando o "modo de usar" a professores de 1º ao 5º ano do ensino fundamental (...) ( os grifos são nossos).

Outros veículos de comunicação também se pronunciaram:

O Conselho Nacional de Educação (CNE) reviu o polêmico parecer que classificava como racista parte da obra Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato, e restringia o uso desse livro nas escolas públicas. O texto final do novo parecer ainda não foi publicado, mas irá sugerir que as obras sejam contextualizadas pelos professores quando utilizadas em sala de aula( Terra, 3 jun. 2011).

Após a recomendação de não distribuir a obra "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, o CNE (Conselho Nacional de Educação) decidiu rever seu parecer. Agora é recomendada a contextualização histórica das obras literárias abordadas na escola (Correio do Estado, 8 jun. 2011).

Após vetar "Caçadas de Pedrinho" como racista, Conselho volta atrás e sugere apenas contextualização pelo professor (Último Segundo Educação, 3 jun. 2011).

Classificada de racista, obra "Caçadas de Pedrinho" deverá ser
contextualizada pelo professor (Hoje Em Dia, 30 jun. 2011).

O conselho deve indicar que as próximas edições do livro venham acompanhadas de uma nota técnica que instrua o professor a contextualizar
a obra ao momento histórico em que ela foi escrita. O CNE, entretanto, reconhece a "qualidade ficcional da obra de Monteiro Lobato" e seu "valor literário" (Agência Brasil, 3 jun. 2011) .

Anteriormente, CNE recomendava que o texto não fosse distribuído nas escolas de Brasília. O CNE (Conselho Nacional de Educação) decidiu rever seu parecer sobre o livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, e passou a recomendar a contextualização histórica das obras literárias abordadas na escola ( Folha de São Paulo, 3 jun. 2011).

(os grifos são nossos)

Ora, realmente, parece-nos que o interesse é o de apenas encher as folhas dos jornais! As notícias publicadas, muitas vezes sem a mínima fundamentação, levam apenas a confusão à opinião pública. E as inverdades, ou meias verdades, acabam se proliferando como se verdades fossem. Esse é o caso da polêmica levantada pela imprensa pelo "suposto veto" do Conselho Nacional de Educação ao livro "Caçadas de Pedrinho, de Monteiro Lobato. Muitos se pronunciaram: jornais, revistas, Academia Brasileira de Letras, Câmara Brasileira do Livro, políticos, escritores renomados de obras infantis, em especial e com bastante ênfase, o escritor Ziraldo, blocos carnavalescos, e muitos "ilustres desconhecidos", que, buscando, talvez, algum destaque na mídia, utilizaram-se de palavras, figuras e estereótipos para classificar pejorativamente os membros do CNE e, em especial, a relatora do Parecer, Conselheira Nilma Lino Gomes.

Mas poucos leram o texto do Parecer CNE/CEB nº. 15, de 1º de setembro de 2010!

E por incrível que pareça, hoje, quase 10 meses após a sua aprovação, as notícias que circulam mostram que o Parecer nº. 15/2010, que trata de "orientações para que a Secretaria de Educação do Distrito Federal se abstenha de utilizar material que não se coadune com as políticas públicas para uma educação antirracista" não foi lido. E, tampouco o Parecer CNE/CEB nº. 6/2011, que trata do "reexame do Parecer CNE/CEB nº 15/2010, com orientações para que material utilizado na Educação Básica se coadune com as políticas públicas para uma educação antirracista" agora em pauta, foi lido, antes que as notícias e as opiniões começassem a circular.

Se tivessem lido, os autores das reportagens teriam verificado que a decisão do CNE não mudou. Ela continua a mesma, só que agora parece que com a aprovação dos "críticos", dos que simplesmente discordam de qualquer coisa, apenas por ouvir falar.

Em primeiro lugar, o livro "Caçadas de Pedrinho" não foi vetado pelo Parecer CNE/CEB nº. 15/2010. As recomendações que foram feitas sobre a sua utilização são as mesmas que agora são feitas no Parecer CNE/CEB nº. 6/2011. Vejamos, pois, a decisão do primeiro parecer, no que tange às ações que deveriam ser implementadas, tendo em vista a denúncia apresentada:

a) a necessária indução de política pública pelo Governo do Distrito Federal junto às instituições do ensino superior – e aqui acrescenta-se, também, de Educação Básica – com vistas a formar professores que sejam capazes de lidar pedagogicamente e criticamente com o tipo de situação narrada pelo requerente, a saber, obras consideradas clássicas presentes na biblioteca das escolas que apresentem estereótipos raciais(...).

b) cabe à Coordenação-Geral de Material Didático do MEC cumprir com os critérios por ela mesma estabelecidos na avaliação dos livros indicados para o PNBE, de que os mesmos primem pela ausência de preconceitos,
estereótipos, não selecionando obras clássicas ou contemporâneas com tal teor;

c) caso algumas das obras selecionadas pelos especialistas, e que componham o acervo do PNBE, ainda apresentem preconceitos e estereótipos, tais como aqueles que foram denunciados pelo Sr. Antônio Gomes Costa Neto e pela Ouvidoria da SEPPIR, a Coordenação-Geral de Material Didático e a Secretaria de Educação Básica do MEC deverão exigir
da editora responsável pela publicação a inserção no texto de apresentação de uma nota explicativa e de esclarecimentos ao leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutam a presença de estereótipos raciais na literatura. Esta providência deverá ser solicitada em relação ao livro Caçadas de Pedrinho e deverá ser extensiva a todas as obras literárias que se encontrem em situação semelhante. Tal procedimento está de acordo com o Parecer CNE/CP nº 3/2004 e a Resolução CNE/CP nº 1/2004, que instituem as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana os quais afirmam:

Edição de livros e de materiais didáticos, para diferentes níveis e modalidades de ensino, que atendam ao disposto neste parecer, em cumprimento ao disposto no Art. 26A da LDB, e, para tanto, abordem a pluralidade cultural e a diversidade étnico-racial da nação brasileira, corrijam distorções e equívocos em obras já publicadas sobre a história, a cultura, a identidade dos afrodescendentes, sob o incentivo e supervisão dos programas de difusão de livros educacionais do MEC – Programa Nacional do Livro Didático e Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE) (Parecer CNE/CEB nº. 3/2004, p. 15). (os grifos são nossos).

A decisão do Conselho Nacional de Educação no Parecer 15, portanto, não foi o de "vetar", "banir" ou "proibir" o livro "Caçadas de Pedrinho" ou as obras de Monteiro Lobato, como alardeado pela imprensa. A sua decisão, foi sim, pelo cumprimento do que foi prescrito no Parecer CNE/CEB nº. 3, de 10 de março de 2004 que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. A Política de Materiais Didáticos e Paradidáticos foi colocada como um dos eixos fundamentais para a implementação das Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnicorraciais, considerando-se que o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino médio (PNLEM) e o Programa Nacional de Bibliotecas Escolares (PNBE) pudessem estimular e induzir a sua implementação, na medida em que

Os princípios e critérios estabelecidos no PNLD definem que, quanto à construção de uma sociedade democrática, os livros didáticos deverão promover positivamente a imagem de afro-descendentes e, também, a cultura afro-brasileira, dando visibilidade aos seus valores, tradições, organizações e saberes sociocientíficos (MEC, 2010, p. 24) .

E entre os critérios para a seleção, consta que "não serão selecionadas obras que apresentem didatismos, moralismos, preconceitos, estereótipos ou discriminação de
qualquer ordem" (MEC/FNDE, 2010, p. 24) (o grifo é nosso).

E quais são as ações a serem implementadas, segundo o Parecer CNE/CEB nº. 6/ 2011, "reexame" do Parecer 15? São elas:

a) a necessária implementação de política pública, pelos sistemas de ensino, junto às instituições de educação básica e superior, de processos destinados à formação de professores que ampliem e aprofundem a discussão e os estudos sobre educação, literatura e diversidade étnico-racial. Tal investimento poderá contribuir para que os docentes possam realizar a devida mediação pedagógica diante de situações como a narrada pelo requerente, a saber, o uso de obras consideradas clássicas presentes na biblioteca das escolas e que apresentam estereótipos raciais (...).

b) este parecer ratifica os critérios de avaliação estabelecidos pelo PNBE, a partir do edital de 2005, no sentido de que os editais que regem o processo seletivo para as obras que compõem os acervos desse programa explicitam, dentre outros requisitos, que "não serão selecionadas obras que apresentem didatismos, moralismos, preconceitos, estereótipos ou discriminação de qualquer ordem". (Edital PNBE 2011).

c) caso algumas das obras selecionadas pelos especialistas e que componham tanto o acervo do PNBE quanto outros formados pelas escolas públicas e privadas, ainda apresentem preconceitos e estereótipos, tais como aqueles relatados na denúncia encaminhada pela Ouvidoria da SEPPIR ao CNE, recomenda-se à editora responsável pela publicação a inserção, no texto de apresentação das novas edições, de contextualização crítica do autor e da obra, a fim de informar o leitor sobre os estudos atuais e críticos que discutem a presença de estereótipos na literatura, entre eles os raciais. Essa providência recomendada em relação ao livro Caçadas de Pedrinho deverá ser extensiva a todas as obras literárias que se encontrem em situação semelhante. Tal procedimento está de acordo com os atuais editais do PNBE, os quais a partir de 2005 têm previsto dentro dos critérios relativos ao projeto gráfico das obras inscritas no Programa as seguintes informações: "A biografia do(s) autor(es) deverá ser apresentada de forma a enriquecer o projeto gráfico-editorial e promover a contextualização do autor e da obra no universo literário. Igualmente, outras informações devem ter por objetivo a ampliação das possibilidades de leitura, em uma linguagem adequada ao público a que se destina, e com informações relevantes e consistentes." (Edital PNBE 2011).

Alguma coincidência entre as decisões dos dois pareceres? Elas são as mesmas!

Portanto, não houve veto à obra em nenhum dos pareceres. A formação adequada do professor para lidar com as situações que surgem na literatura foi recomendada desde o Parecer 15; a contextualização da estória, também.

A Agência Brasil afirmou que o CNE, no novo parecer, "entretanto,reconhece a qualidade ficcional da obra de Monteiro Lobato" e seu "valor literário" (Agência Brasil, 3 jun. 2011). Ora, e no Parecer 15, ele também não reconhece? Vejam o que é dito, em cada caso:

Entende-se que a escolha do livro Caçadas de Pedrinho, dentre a vasta obra
literária de Monteiro Lobato, como parte integrante do Programa Nacional Biblioteca da Escola, segue a tradição de colocar os estudantes e professores em contato com obras consideradas clássicas da literatura infantil (Par.CNE/CEB nº.15, 2010, p.4) (o grifo é nosso).

A literatura pode ser vista como uma das arenas mais sensíveis para que tomemos providências a fim de superar essa situação. Portanto, concordando com Marisa Lajolo (1998, p. 33) (...) analisar a representação do negro na obra de Monteiro Lobato, além de contribuir para um conhecimento maior deste grande escritor brasileiro, pode renovar os olhares com que se olham os
sempre delicados laços que enlaçam literatura e sociedade, história e literatura, literatura e política e similares binômios que tentam dar conta do que, na página literária, fica entre seu aquém e seu além (Parecer CNE/CEB n° 15, 2010, p.6).

A despeito do importante caráter literário da obra de Monteiro Lobato, o qual não se pode negar, é necessário considerar que somos sujeitos da nossa própria época, porém, ao mesmo tempo, somos responsáveis pelos desdobramentos e efeitos das opções e orientações políticas, pedagógicas e literárias assumidas no contexto em que vivemos (ParecerCNE/CEB nº. 15,
2010, p.6) (o grifo é nosso).

Entende-se que a escolha do livro "Caçadas de Pedrinho", dentre a vasta e
importante obra literária de Monteiro Lobato, como parte integrante do Programa Nacional Biblioteca da Escola segue a tradição de proporcionar aos estudantes e professores a leitura de obras consideradas clássicas da literatura infantil (Parecer CNE/CEB nº. 6, p.5, 2011)

Reconhecendo a qualidade ficcional da obra de Monteiro Lobato, em especial, no livro Caçadas de Pedrinho e em outros similares, bem como o seu valor literário, é necessário considerar que somos sujeitos da nossa própria época e responsáveis pelos desdobramentos e efeitos das opções e orientações políticas, pedagógicas e literárias assumidas no contexto em que vivemos (Parecer CNE/CEB nº. 6, p.8, 2011).

A literatura pode ser vista como uma das arenas mais sensíveis para que tomemos providências a fim de superar essa situação. Portanto, concordando com Marisa Lajolo (1998, p. 33) (...) analisar a representação do negro na obra de Monteiro Lobato, além de contribuir para um conhecimento maior deste grande escritor brasileiro, pode renovar os olhares com que se olham os sempre delicados laços que enlaçam literatura e sociedade, história e literatura, literatura e política e similares binômios que tentam dar conta do que, na página literária, fica entre seu aquém e seu além (Parecer CNE/CEB nº 6, p.8, 2011).

Desde o primeiro parecer, a Relatora reconheceu a importância da obra de Monteiro Lobato. Ela não mudou de opinião para agradar aos "menos esclarecidos". A sua posição no Parecer 6 é a mesma que a do Parecer 15.

Importante teria sido que todos que se manifestaram negativamente e enfaticamente tivessem tido o cuidado de informar-se sobre o teor dos pareceres. Além de jornalistas, também a Academia Brasileira de Letras não se deu o trabalho de ler o Parecer antes de publicar o seu manifesto, e a Academia Brasileira do Livro sugeriu que a decisão fosse justamente a do CNE. Acreditamos que os meios de comunicação têm a grande responsabilidade de transmitir informações corretas à população. Quanto as ditas Academias, é realmente uma vergonha que instituições de "tão alto prestígio" se deixem levar pelo "instinto de manada".


 

BIBLIOGRAFIA:

CAMARGO, LAÍS. Conselho de educação revê parecer sobre obra de Monteiro Lobato. Correio do Estado, [S.l], 3 jun. 2011. Disponível em:< http:// www.correiodoestado.com.br/.../conselho-de-educacao-reve-parecer-sobre-obra-de-monteiro-lob_113241>. Acesso em: 7 jun. 2011.

CIEGLIENSKI, AMANDA. CNE revê parecer contrário a livro de Monteiro Lobato. Agência Brasil, Brasília (DF), 3 jun. 2011. Disponível em: <http:// www.hojeemdia.com.br/.../cne-reve-parecer-contrario-a-livro-de-monteiro-lobato-1.289547>. Acesso em: 5 jun. 2011.

CNE revê parecer que considerava obra de Monteiro Lobato racista. Terra, [S.l], 3 jun. 2011. Disponível em: <http://noticias.terra.com.br/.../0,,OI5166121-EI8266,00-CNE+reve+parecer+que+considerava+obra+de+Monteiro+Lobato+racista.html>. Acesso em: 6 jun. 2011.

COM BOM SENSO, CNE revê parecer sobre livro de Monteiro Lobato. Agência Brasil, [S.l], 3 jun. 2011. Disponível em: http:// vermelho.org.br/noticia.php?id_secao=11&id_noticia...>. Acesso em: 5 jun. 2011.

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO (Brasil). Parecer CNE/CEB nº. 15, de 1º de
setembro de 2010. Orientações para que a Secretaria de Educação do Distrito Federal se abstenha de utilizar material que não se coadune com as políticas públicas para uma educação antirracista. Relatora: Nilma Lino Gomes. Brasília (DF), 1 set. 2010. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?...id...>. Acesso em: 9 jun. 2011.

______. Parecer CNE/CEB nº. 6, de 1 de junho de 2011. Reexame do Parecer CNE/CEB nº 15/2010, com orientações para que material utilizado na Educação Básica se coadune com as políticas públicas para uma educação antirracista. Relatora: Nilma Lino Gomes. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc...>. Acesso em: 8 jun. 2011.

______. Parecer CNE/CP nº. 3, de 10 de março de 2004. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. Relatora: Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/003.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2011.

JESUS, MARLUCIA PONTES GOMES DE JESUS. Monteiro Lobato e a educação das
relações étnicorraciais. Damarlu Educação, Guarapari, 12 mar. 2011. Disponível em: <http://damarlueducar.blogspot.com/search/label/educa%C3%A7%C3%A3o%20das%20rela%C3%A7%C3%B5es%20%C3%A9tnicorraciais>. Acesso em: 5 jun. 2011.

______. Educação das relações étnicorraciais. Damarlu Educação, Guarapari, 11 maio 2010. Disponível em: http://http://damarlueducar.blogspot.com/2010/05/educacao-das-relacoes-etnicorraciais.html>. Acesso em: 7 jun. 2011.

LIBERADA obra de Monteiro Lobato nas salas de aula. A Gazeta, 4 jun. 2011, p.8.

MEC revê proibição de livro de Monteiro Lobato. O Terminal, [S,l], [S.d]. Disponível em: <http://www.oterminal.com.br/editorias/detal_noticias.php?id>. Acesso em: 6 jun. 2011.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (Brasil). Proposta de Plano Nacional de Implementação das
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana – Lei 10.639/2003. Disponível em: <http://www.mp.pe.gov.br/uploads/.../planonacional_10.6391.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2011.

______.Contribuições para a implementação da Lei 10.639/2004. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc>. Acesso em: 7 jun. 2011.

NASCIMENTO, CARLA. Outros conteúdos que deram o que falar. A Gazeta, Vitória, 17 maio 2011, p. 4).

WEBER, DEMÉTRIO. Professores receberão cartilha sobre como usar obra de Monteiro Lobato. O Globo, Rio de Janeiro, 17 maio 2011. Disponível em: https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/.../professores-receberao-cartilha-sobre-como-usar-obra-de-monteiro-lobato>. Acesso em: 5 jun. 2011.

    

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NOME SOCIAL: INCLUSÃO E RESPEITO À DIVERSIDADE


 

Eu não queria colocar calcinha, vestidinho, nada disso, eu queria colocar o calção do meu irmão. Eu queria ir pra escola, colocar um tênis, chegar na hora do recreio e jogar futebol com a molecada. Aí, eles pensavam: "aquela é maria-homem". Maria-homem por quê? Não pela minha fisionomia, mas por causa do nome. Aí, a professora vinha e falava assim: "Você não vai falar presente?" E eu falava: "Mas a senhora não falou meu nome!" Ela falava: "Falei sim! Falei seu nome." E eu dizia: "Esse não é meu nome!" E ela disse: "É sim!" Aí, eu falava: "Então eu não vou responder!" Aí, eu ficava calado. Então, ela sabia que era eu e não perguntava mais, porque ela via que eu estava lá. (Celinho, um homem transexual, retratado no documentário Eu Sou Homem) (SANTOS, 2010, p. 119)


 

No dia 28 de maio deste ano, o jornal "A Gazeta" publicou: "Alunos gays
serão chamados pelo nome que escolherem". E a notícia:

As escolas do Espírito Santo, tanto públicas quanto particulares, agora terão que incluir o nome social de transexuais – nova identidade adotada de acordo com o sexo – na chamada escolar, no ato da matrícula. O nome será usado em sala de aula e em todo o ambiente educacional, mas os documentos oficiais – como diploma e histórico escolar – ainda serão publicados somente com a identificação oficial de registro.

O "nome social" é aquele pelo qual os transexuais e travestis se reconhecem e são reconhecidos pela sociedade.

Segundo a reportagem, a iniciativa é do Conselho Estadual de Educação (CEE) e responde a orientação do MEC, por meio da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (Secad), que encaminhou a proposta a todos os Conselhos Estaduais.

A Resolução CEE/ES nº. 2.735, publicada no Diário Oficial do dia 20 de maio, que dispõe sobre os parâmetros para a inclusão do nome social de travestis e transexuais nos registros escolares das escolas do Sistema Estadual de Ensino do Espírito Santo, define que o nome social deverá ser incluído, entre parênteses, nos diários de classe, mediante solicitação, por escrito, do aluno que tenha, no mínimo, 18 anos completos, ou dos pais ou responsáveis, no caso de alunos com idade inferior a essa. Mas o nome civil deverá acompanhar nome social nos documentos.

Segundo entrevista do presidente do CEE, Artelírio Bolsanello, a resolução foi elaborada no ano de 2010 e apresentada para a homologação ao então
Secretário de Educação. No entanto, como ocorreu com vários outros documentos, ela foi rejeitada. Neste ano, com a mudança de administração, o Conselho resolveu encaminhar o
documento ao atual secretário, Klinger Marcos Barbosa Alves, que o homologou.

De acordo com a reportagem, para o diretor do Coletivo Estadual de Diversidade Sexual do Sindiupes ( Sindicato dos Professores da Rede Pública), Christovam de Mendonça, "a luta pela inclusão do nome social vem desde 2008. O CEE e o Estado atenderam. Estávamos atrasados em relação ao país".

Realmente. Em 2006, o Ministério da Saúde, na publicação "Carta dos Direitos dos Usuários da Saúde", baseou-se em seis princípios básicos de cidadania. Entre eles, o terceiro, "assegura ao cidadão o atendimento acolhedor e livre de discriminação, visando à igualdade de tratamento e a uma relação mais pessoal e saudável". E a primeira estratégia para que esse princípio seja efetivado é:

I. A identificação pelo nome e sobrenome, devendo existir em todo documento de identificação do usuário um campo para se registrar o nome pelo qual prefere ser chamado, independentemente
do registro civil, não podendo ser tratado por número, nome da doença, códigos, de modo genérico, desrespeitoso ou preconceituoso (o grifo é nosso).

Mais tarde, em 13 de agosto de 2009, essa estratégia foi incluída na Portaria do Ministério da Saúde de nº. 1820, que dispõe sobre os direitos e deveres dos usuários da saúde (art. 4º, parágrafo único, I).

Além disso, vários outros órgãos públicos garantem o direito à inserção do nome social em documentos:

- o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, mediante a Portaria nº. 233, de 18 de maio de 2010:

Art. 1º Fica assegurado aos servidores públicos, no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, o uso do nome social adotado por travestis e transexuais.

- a Secretaria de Estado da Assistência Social e Cidadania do Estado do Amazonas, mediante a Portaria nº. 438/GSEAS:

I- DECLARAR a todas as unidades da SEAS, e seus servidores, que os travestis e transexuais deverão ser cadastrados e terão reconhecidos seus nomes sociais.

- a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Social e Combate à Pobreza da Bahia, mediante a Portaria nº. 220, de 27 de novembro de 2009:

Art. 1º - Determinar que todas as unidades e órgãos da SEDES, dos municípios e das entidades conveniadas ou contratadas de forma complementar à realização dos serviços financiados e cofinanciados de proteção social básica e proteção social especial de alta e média complexidade instalados nos municípios habilitados na gestão da assistência social que compõem o Sistema Único de Assistência Social do Estado da Bahia – SUAS passem a registrar o nome social de travestis e transexuais em fichas de cadastro, formulários, prontuários e
documentos congêneres do atendimento prestado aos usuários dos serviços.

- Administração Pública da Prefeitura de São João Del Rei, Minas Gerais, mediante o Decreto nº 3.902, de 23 de janeiro de 2009, que "determina
aos órgãos da
Administração Pública Municipal e da iniciativa privada que observem o nome social de travestis e transexuais e dá outras providências".

- Administração Pública do Estado do Pará, mediante o Decreto nº. 1.675, de 21 de maio de 2009:

Art. 1º A Administração Pública Estadual Direta e Indireta, no atendimento de transexuais e travestis, deverá respeitar seu nome social, independentemente de registro civil.

- Secretaria de Desenvolvimento Humano do Estado da Paraíba, mediante a Portaria nº. 041, de 11 de setembro de 2009:

Art. 1º Determinar que todas as Unidades que integram a Secretaria de Desenvolvimento Humano, na Capital e no interior do Estado, passem a registrar o nome social de travestis e transexuais em fichas de cadastro, formulários, prontuários e documentos congêneres no atendimento prestado aos usuários dos serviços.

- Secretaria de Saúde do Estado do Paraná, mediante a Resolução nº. 188/2010:

Art. 1º Os órgãos e entidades da Administração Direta e Indireta, nos serviços de saúde, devem incluir e usar o nome social das pessoas travestis e transexuais em todos os registros relativos aos serviços públicos sob sua responsabilidade, com fichas de cadastro, formulários, prontuários e outros documentos congêneres.

- Administração Pública do Estado de Pernambuco, mediante o Decreto nº. 35.051, de 25 de maio de 2010:

Art. 1º Fica assegurado aos servidores públicos, no âmbito da administração pública estadual direta, autárquica e fundacional, o uso do nome social adotado por travestis e transexuais.

- Administração Pública do Estado do Piauí, mediante o Decreto nº. 5.916, de 10 de novembro de 2009:

Art. 1º As pessoas travestidos e transexuais têm direito à identificação por meio de seu nome social quando do preenchimento de fichas de cadastro, formulários, prontuários e documentos congêneres, para atendimento de serviços prestados por qualquer órgão da Administração Pública direta e indireta do Estado do Piauí.

- Secretaria de Assistência Social e Cidadania do Estado do Piauí, mediante a Portaria nº. 026, de 3 de fevereiro de 2009:

Art. 1º. Determinar que todas as Unidades que integram esta Secretaria, na Capital e no interior do Estado, passem a registrar o nome social de travestis e transexuais em fichas de cadastro, formulários, prontuários e documentos congêneres do atendimento prestado aos usuários dos serviços.

- Administração pública de Natal, Rio Grande do Norte, mediante a Lei nº. 5.992/2009.

- Administração pública do Governo do Estado de São Paulo, mediante o Decreto nº. 55.558, de 5 de março de 2010:

Artigo 1º Fica assegurado às pessoas transexuais e travestis, nos termos deste decreto, o direito à escolha de tratamento nominal nos atos e procedimentos promovidos no âmbito da Administração direta e indireta do Estado de São Paulo.

-Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, mediante a Resolução nº 208, de 27 de outubro de 2009:

Artigo 1º Todo atendimento médico dirigido à população de travestis, transexuais e pessoas que apresentam dificuldade de integração ou dificuldade de adequação psíquica e social em relação ao sexo biológico, deve basear-se no respeito ao ser humano e na integralidade da atenção.

Artigo 2º Deve ser assegurado a essa população, durante o atendimento médico, o direito de usar o nome social, podendo o(a) paciente indicar o nome pelo qual prefere ser chamado(a), independente do nome que consta no seu registro civil ou nos prontuários do serviço de saúde.

- Administração pública da cidade de São Paulo, mediante o Decreto nº 51.180/2010:

Art. 1º Os órgãos e entidades da Administração Municipal Direta e Indireta devem incluir e usar o nome social das pessoas travestis e transexuais em todos os registros municipais relativos aos serviços públicos sob sua responsabilidade, como fichas de cadastro, formulários, prontuários, registros escolares e outros documentos congêneres.

Na área de educação, a Universidade Federal do Amapá foi pioneira na adoção do nome social para seus alunos, tendo aprovado resolução sobre o tema em 1º de outubro de 2009. A Universidade Federal de Santa Catarina, a do Paraná e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina também já regulamentaram o tema. Em nível de Secretarias de Educação, as de Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Paraíba, Pará, Goiás, Distrito Federal, Maranhão, Rio Grande do Sul, Tocantins, Pernambuco, Mato Grosso e Alagoas, além da de Belo Horizonte, Fortaleza e João Pessoa, já permitem que o aluno utilize o nome social em documentos internos das escolas.

No que tange à área de educação, a importância da Resolução CEE/ES n°. 2.735/2011 e demais documentos legais emitidos em outros entes federativos é explicitada pela Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação no Parecer Técnico nº. 141, de 27 de novembro de 2009, emitido visando responder à solicitação da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Travestis e Transexuais- ABGLT ao Conselho Nacional de Educação – CNE de manifestação favorável à medida de adoção do nome social em registros escolares:

(...) é preciso refletir a solicitação da ABGLT na perspectiva de assegurar o direito à permanência dos estudantes Travestis e Transexuais na escola por meio da construção de um ambiente escolar que acolha a identidade desta população e valorize a diversidade enquanto estratégia fundamental de combate às diversas formas de preconceito e discriminação. Sobre a significância e importância da inserção do nome social de
Transexuais e Travestis nos registros escolares, Rosa (2009) destaca que:

A medida (inclusão do nome social nos registros escolares) visa evitar constrangimentos como, por exemplo, chamar por um nome masculino uma pessoa que tem aparência feminina, além de coibir a evasão escolar, muito freqüente entre travestis e transexuais. "Eles deixam o estudo não porque não querem, mas porque as escolas se fecharam", avalia Keila Simpsom, presidente da Articulação Nacional dos Travestis e Transexuais e Transgêneros (Antra). Segundo dados da Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), a evasão escolar entre travestis e transexuais no Brasil chega a 73%.

Por sua vez, o Ministério Público do Estado do Paraná, respondendo a consulta do Conselho Estadual de Educação sobre a legalidade da adoção do nome social de Travestis e Transexuais em documentos escolares, concluiu, no Parecer CAOPEduc nº. 04, de 18 de junho de 2009, que:

(...) diante da urgência em instituírem-se políticas consubstanciadas em práticas que conduzam à minimização e, quiçá, à erradicação do preconceito, assegurando-se às pessoas dignidade em suas relações sociais, aqui especialmente consideradas as relações escolares, com o objetivo transverso no combate à evasão provocada pela exclusão, garantindo a permanência com sucesso no sistema educacional é recomendável a inclusão do nome social adotado em razão da orientação sexual e identidade de gênero pelos cidadãos com 18 anos completos nos registros estritamente internos das escolas.

Baseiam-se, assim, as decisões de inclusão do nome social nos registros escolares, no texto constitucional, sobretudo nos artigos 3º, IV e 206, I, que tratam, respectivamente, dos objetivos da República Federativa do Brasil e das políticas, a serem adotadas pelo Estado, que promovam o acesso e a permanência dos alunos na escola, a saber:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (o grifo é nosso).

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:

I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola (o grifo é nosso).

A difusão dos princípios da equidade e do respeito à diversidade figuram entre as diretrizes do Plano Nacional de Educação a ser aprovado pelo Governo Federal.

Importante citar, ainda, que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei nº. 2.976/2008 que acrescenta o art. 58-A ao texto da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências, criando a possibilidade das pessoas que possuem orientação de gênero travesti, masculino ou feminino, utilizarem ao lado do nome e prenome oficial, um nome social.

Todas essas ações representam um investimento na construção da cidadania de gays, lésbicas, travestis e transexuais e na luta contra a
homofobia, considerada como
um grave problema social. A escola é apontada como um espaço decisivo na construção de uma consciência crítica e no desenvolvimento de práticas pautadas pelo respeito à diversidade e aos direitos humanos (BRASIL, 2009, p. 21), afirmando que ela está envolvida nos altos índices de violência homofóbica no mundo. E cita duas pesquisas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) que comprovam essa realidade:

A primeira – realizada em todas as Unidades da Federação – revelou que 59,7% dos professores julgam ser inadmissível que uma pessoa tenha relações homossexuais. A segunda mostrou, entre outras coisas, que de 33,5% a 44,9% de estudantes do sexo masculino não gostariam de ter colegas de classe homossexuais. Durante a Parada do Orgulho GLTB, na cidade do Rio de Janeiro, em 2004, 40,4% dos entrevistados, de 15 a 18 anos, declararam ter sido discriminados na escola por serem GLBT. Das pessoas entrevistadas na Parada de São Paulo, em 2005, 32,6% identificaram a escola e a faculdade como espaços de marginalização e exclusão de GLBT e 32,7% afirmaram ter sofrido discriminação por parte de professores ou colegas. No mesmo ano, na 8ª Parada de Belo Horizonte, a escola figurou como a instituição com maior freqüência de manifestações homofóbicas, 34,5% declararam sofrer ali freqüentes ou eventuais discriminações. (BRASIL, 2009, p.20).

Também o Programa "Brasil sem Homofobia", organizado pelo Governo Federal em parceria com a Sociedade Civil Organizada, coloca a educação como objetivo central de suas ações. E cita que, apesar da Constituição Federal de 1988, não referir-se, explicitamente, à condenação da discriminação sexual como uma das formas de discriminação, alguns documentos legais, estaduais e municipais, vêm contemplando esse tipo de discriminação. E cita que em três constituições estaduais (Mato Grosso, Sergipe e Pará), cinco estados (Rio de Janeiro, Santa Catarina, Minas Gerais, São Paulo Rio Grande do Sul), no Distrito Federal e em mais de oitenta municípios brasileiros existem legislação contemplando, especificamente, a proteção dos direitos humanos de homossexuais e o combate à discriminação contra a orientação sexual (BRASIL, p. 16, 2004).

Entre os programas e ações incluídos no Programa, figura o "Direito à Educação: promovendo valores de respeito à paz e à não-discriminação", citando como estratégias, a elaboração de diretrizes que orientem os sistemas de ensino na implementação de ações que comprovem o respeito ao cidadão e à não discriminação por orientação sexual e o estímulo à produção de materiais educativos ( filmes, vídeos e publicações) sobre orientação sexual e superação da homofobia ( BRASIL,p.22, 2004).

Assim, teoricamente, vemos que várias iniciativas têm sido tomadas visando o combate à homofobia, o respeito à diversidade sexual e o preconceito com base na orientação sexual do indivíduo.

Infelizmente, parece que, no Brasil, damos alguns passos para frente e, logo após, muitos passos para trás, inviabilizando ou retardando os avanços obtidos e inculcando na população brasileira, cada vez mais, o descrédito nas iniciativas governamentais. Prestes a ser finalmente divulgado nas escolas brasileiras, o chamado "kit-homofobia", composto
de cartilhas, filmes e vídeos educativos, já aprovado pela Unesco, o "governo cede à pressão de bancadas religiosas e suspende as cartilhas
contra a
homofobia para evitar a convocação do ministro"(A Gazeta, p. 1, 26 maio 2011), causando uma reação de "perplexidade, consternação e indignação", tanto na Associação Brasileira de Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, como na própria equipe do Ministério da Educação. "A Secretária de Educação Básica do Ministério da Educação ( MEC). Pilar Lacerda, referiu-se à decisão como 'tempo das trevas'" ( A Gazeta, p. 3, 26 maio 2011). E o motivo foi explicitado na primeira página do jornal: "Para
proteger Palocci, Dilma se alia a anti-gays". O que significa que a estratégia já aprovada serviu de "moeda de troca" para a proteção de um ministro sob suspeita de tráfico de influência.

E mais: o jornal "A Gazeta" fez a pergunta aos leitores: "O governo federal proibiu a distribuição do chamado kit anti-homofobia nas escolas. O que você acha disso? E das 9 respostas publicadas, hoje, dia 5 de junho de 2011, apenas uma não expressou claramente a sua concordância com o governo. E com certeza, assim como a presidente Dilma Houssef, ( A Gazeta, p. 14, 5 jun.2011) nenhum dos respondentes teve acesso ao material. Eles foram levados apenas pelo preconceito. Vejam as "pérolas" pinçadas nas opiniões divulgadas:

Demorou alguém tomar uma decisão sensata. O Brasil parece que vive no mundinho. Pessoas perdendo emprego, passando fome sem política de habitação...

Acho que a medida foi necessária. Esse incentivo à homossexualidade é uma vergonha para a sociedade. Temos de combater esse tipo de endeusamento do homossexualismo. (...)

Uma decisão sensata! Nada contra nenhum kit, mas desde que seja para um fim relevante, um kit que promova o respeito entre as crianças, pessoas negras, deficientes... Devemos disseminar o respeito e não proliferar o homossexualismo.

(...) Os meus alunos que são homossexuais assumidos não podem ser tratados diferentemente dos outros. Eles são regidos pela mesma regra escolar. Esse kit quer nos apresentar que ser homossexual é normal, mas de uma forma autoritária em que a sociedade ainda não está preparada.

Concordo plenamente. A presidente Dilma Houssef foi feliz ao proibir a distribuição do kit gay nas escolas de todo o país, apesar do desagrado de alguns. (...) A sensibilidade presidencial impediu que crianças de todo o país lidassem sem nenhuma maturidade com esses kits que incentivam a homossexualidade e os desvios sexuais.

A proibição do chamado kit gay é uma vitória temporária do bem contra o mal. Oxalá as forças evangélicas, católicas e os adeptos da preservação da família continuem mobilizados, uma vez que o espírito das trevas ameaça esta instituição que é a célula
mater da sociedade. Ganhamos uma batalha, mas a guerra continua. Ser contra o homossexualismo não é preconceito, é conceito para o cristão.

Este vídeo é obra diabólica, o demônio quer destruir as famílias, que é a base de tudo. A união de pessoas do mesmo sexo não gera filhos, e Deus disse "crescei e multiplicai". (A Gazeta, p.2, 5 jun. 2011).

Portanto, vemos que as ações não seriam úteis apenas para os alunos. Grande parte da população precisa abandonar convicções preconceituosas que têm levado às estatísticas de violência contra uma parcela da população. E para isso, contamos com o estímulo de políticos que objetivam apenas "ganhos eleitoreiros", por meio da manipulação das pessoas.

Jean Willys, primeiro deputado federal assumidamente homossexual, em entrevista o jornal A Gazeta, assim avalia o discurso desses políticos oportunistas, que visam apenas o poder, mesmo a custo do sofrimento de seus semelhantes:

Acho um discurso hipócrita que só serve para tirar dividendos eleitorais, na medida em que joga com os preconceitos da população e com o senso comum, que deveria ser desconstruído. É um discurso lamentável porque é um discurso de ódio, que fere os princípios constitucionais. O discurso dos três é de incitação ao ódio. É um discurso eleitoreiro porque quer jogar com os preconceitos que a população conserva.

Assim, vemos que a luta contra preconceitos, quaisquer que sejam, não pode esperar ou contar simplesmente com as iniciativas governamentais. É necessário que a população se mobilize para que a violência contra as minorias seja erradicada, deixando de existir, tanto nas páginas policiais, como nas mentes dos brasileiros.


 

BIBIOGRAFIA:

ASSOCIAÇÃO afirma que suspensão é um retrocesso. A Gazeta, p. 3, 5 jun. 2011.

BRASIL. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Direitos Humanos e Políticas Públicas: o caminho para garantir a cidadania de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Brasília (DF), [S.d]. Disponível em: http:// www.dhnet.org.br/direitos/militantes/.../nazare_cidadania_glbt.ppt>. Acesso em: 4 jun. 2011.

CÂMARA DOS DEPUTADOS (Brasil). Projeto de Lei nº. 2.976/2008. Acrescenta o art. 58-A ao texto da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos e dá outras providências, criando a possibilidade das pessoas que possuem orientação de gênero travesti, masculino ou feminino, utilizarem ao lado do nome e prenome oficial, um nome social. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 2 jun. 2011.

CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO (Espírito Santo). Resolução CEE/ES
nº. 2.735, de 20 de maio de 2011. Dispõe sobre os parâmetros para a Inclusão do Nome Social de Travestis e Transexuais nos Registros Escolares
das Escolas do Sistema Estadual de Ensino do Espírito Santo. Vitória, 20 maio 2011. Disponível em:< http://www.cee.es.gov.br>. Acesso em: 25 maio 2011.

MENDONÇA, Maurílio. Alunos gays serão chamados pelo nome que escolherem. A Gazeta, Vitória, p.10, 28 maio 2011.

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