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A data corte para o ingresso no ensino fundamental de nove anos e o parlamento federal do Brasil


 

Se os políticos recebessem o que realmente merecem, sobraria dinheiro para cuidar do país (Ediel).


 

O jornal A Gazeta do dia 22 de julho publicou na coluna "Nossa Opinião" artigo intitulado "Projetos sem cabimento".

Nele é feita uma análise sobre o balanço da atuação, no primeiro semestre deste ano, da Câmara dos Deputados, informando que a Casa realizou 184 sessões plenárias, sendo 84 para votação de matérias. Foram 320 proposições aprovadas!

No entanto, os números, significativos quantitativamente, decepcionam ao se verificar o teor de vários projetos que, segundo o artigo, "merecem adjetivos como tolos, descabidos, frívolos, etc". Alguns deles foram citados:

. PL 1.554/2011, de autoria do Deputado Janio Natal (PRP/BA), que dispõe sobre a transferência da Capital Federal da República Federativa do Brasil para a cidade de Porto Seguro, no Estado da Bahia, no dia 22 de abril de cada ano, em caráter simbólico. O regime de tramitação é o de urgência;

. PL 1.672/2011, de autoria do Deputado Eduardo Cunha (PMDM/RJ), que institui o "Dia do Orgulho Heterossexual", a ser comemorado no terceiro domingo de dezembro;

. PL 1.508/2011, de autoria da Deputada Fátima Pelaes (PMDB/AP), que confere o título de "Capital Nacional do meio do mundo" à cidade de Macapá, no Estado do Amapá, por ser a única capital brasileira cortada pela Linha do Equador.

Outro, ainda, que confere título a capital é o PL 1.332/2011, de autoria do Deputado Pastor Marco Feliciano (PSC/SP), que confere ao Município de Camboriú o título de "Capital Nacional das Missões Cristãs".

Para que os deputados tenham tempo para projetos de lei desses "calibres", é necessário que outros, importantes para a sociedade, sejam deixados de lado. Afinal, três dias de expediente semanal são insuficientes para atender aos projetos esdrúxulos e às coisas sérias e necessárias. E nem o clamor da sociedade consegue mudar essa realidade!

Vamos citar apenas uma dessas coisa sérias ignoradas pelos parlamentares: outro final de ano se aproxima e com ele o início das matrículas nas escolas. Como será neste ano? Mais uma vez, serão admitidas matrículas de crianças com menos de seis anos completos no ensino fundamental, por falta de legislação que trate do assunto? Apesar da posição adotada por especialistas considerando que a data corte para ingresso no ensino fundamental seja a de seis anos completos ou a completar até 31 de março, os parlamentares parecem estar engessados, ignorando pareceres do Conselho Nacional de Educação, manifesto da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME), do Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil (MIEIB), da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED), da Rede Nacional Primeira Infância (RNPI), da Associação Brasileira de Magistrados, Promotores de Justiça e Defensores Públicos da Infância e da Juventude (ABMB), da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino e muitos outros (vejam "Data corte para ingresso no ensino fundamental de nove anos II", neste blog).

Assim, apesar da rejeição do PL 6.755/2010, de autoria do Senador Flávio Arns (PSDB/PR), em 24 de março de 2011, que admitia a matrícula de crianças com 5 anos de idade no ensino fundamental, e da aprovação do PL 7.974/2010, de autoria da Deputada Maria do Rosário (PT/RS), que atende às posições dos especialistas, não houve movimentação no PL desde 15 de junho. E a aprovação se deu em 24 de março de 2011! Para sermos mais explícitos, reproduzimos a tramitação do Projeto a partir de sua aprovação:

Comissão de Educação e Cultura (CEC)

24/03/2011

. Apresentação do Parecer do Relator, pelo Deputado Joaquim Beltrão (PMDB-AL).

.Parecer do Relator, Dep. Joaquim Beltrão (PMDB-AL), pela rejeição deste [PL 6.755/2010], do PL 4049/2008, do PL 4812/2009, do PL 6300/2009, do PL 6843/2010, do PL 1558/2007, e do PL 2632/2007, apensados, e pela aprovação do PL
7974/2010, apensado.

05/04/2011

Encerrado o prazo para emendas ao projeto. Não foram apresentadas emendas.

20/04/2011     

Comissão de Educação e Cultura (CEC) - 10:00 Reunião Deliberativa Ordinária


Retirado de pauta a requerimento do Deputado Nazareno Fonteles.

08/06/2011     

Comissão de Educação e Cultura (CEC) - 10:00 Reunião Deliberativa Ordinária


Retirado de pauta pelo Relator.

15/06/2011     

Comissão de Educação e Cultura (CEC) - 10:00 Reunião Deliberativa Ordinária

Discutiram a Matéria: Dep. Professora Dorinha Seabra Rezende (DEM-TO), Dep. Luiz Carlos Setim (DEM-PR), Dep. Lelo Coimbra (PMDB-ES), Dep. Gastão Vieira (PMDB-MA), Dep. Artur Bruno (PT-CE), Dep. Waldenor Pereira (PT-BA), Dep. Rogério Marinho (PSDB-RN), Dep. Rosane Ferreira (PV-PR), Dep. Ságuas Moraes (PT-MT), Dep. Alice Portugal (PCdoB-BA), Dep. Angelo Vanhoni (PT-PR) e Dep. Nazareno Fonteles (PT-PI).


Retirado de pauta, de ofício.

(CAMARA DOS DEPUTADOS, 2011)(os grifos são nossos)

As probabilidades, portanto, de que cheguemos ao final do ano de 2011 sem a definição legal da idade de corte para ingresso no ensino fundamental de nove anos é muito grande. E os prejuízos para as crianças persistirão por mais um ano, pelo menos!

Enquanto isso, os brasileiros têm que arcar com o desperdício de tempo e de dinheiro do parlamento federal, um dos mais caros do planeta. Recentemente, os deputados federais e senadores tiveram um reajuste de 61,7% em subsídios, passando de R$16,5 mil para R$26.723,13, aumento que implicou em um gasto adicional de R$900 milhões, só neste ano. Enquanto no ano de 2010, o Congresso teve uma despesa de R$5,3 bilhões em subsídios, encargos sociais de parlamentares, servidores e aposentados, em 2011, esse valor deve ser de R$6,2 bilhões.

E esse aumento de custo repercutiu nas Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais. No Estado do Espírito Santo, apesar de a Assembleia estar entre as de menor custo relativo no País (recebe o equivalente a 1% do orçamento estadual, a metade da média no país, que é de 2) ( A Gazeta, 14 jul. 2011), segundo o jornal A Gazeta (16 jul. 2011), cada lei aprovada custa R$17,6 mil, cálculo obtido dividindo-se a despesa de R$3 milhões com salários dos deputados pelo número de projetos aprovados.

No primeiro semestre desta ano, foram 170 as matérias que viraram leis. Mas, nem todas são de interesse da sociedade. Segundo A Gazeta (16 jul. 2011),

[...] neste meio, há propostas, no mínimo, curiosas. Viraram lei o Dia Estadual da Igreja Católica, da Igreja Evangélica e do Agricultor Familiar - todas de autoria da deputada Luzia Toledo (PMDB). Ainda fazem parte da lista dez projetos que declararam entidades e organizações como de utilidade pública. Desta forma, eles ficam isentos de alguns impostos e podem receber incentivos. Os deputados também "assinaram embaixo" de projetos que dão nomes a rodovias.

Pagamos, nós, os brasileiros, por todos esses projetos, nacionais e estaduais, enquanto aqueles que contribuiriam para proporcionar melhor qualidade de vida mediante a oferta de educação de qualidade ficam a esperar a boa vontade dos legisladores.


 

BIBLIOGRAFIA

CADA lei aprovada custa R$17,6 mil na Assembleia. A Gazeta, Vitória, 16 jul. 2011. Disponível em: <http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2011/07/noticias/a_gazeta/politica/905236-cada-lei-aprovada-custa-r-17-6-mil-na-assembleia.html>. Acesso em: 28 jul. 2011.

CAMARA DOS DEPUTADOS (Brasil). PL 1.332/2011. Confere ao Município de Camboriú o título de "Capital Nacional das Missões Cristãs". Autoria: Pastor Marco Feliciano (PSC/SP). Brasília (DF), 11 maio 2011. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=501872>. Acesso em: 28 jul. 2011.

______. PL 1.672/2011. Institui o "Dia do Orgulho Heterossexual", a ser comemorado no terceiro domingo de dezembro. Autoria: Deputado Eduardo Cunha (PMDB/RJ). Brasília (DF), 28 jun. 2011. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=510199>. Acesso em: 28 jul. 2011.

______. PL 1508/2011. Confere o título de "Capital Nacional do meio do mundo" a cidade de Macapá, no Estado do Amapá. Autoria: Deputada Fátima Pelaes (PMDB/AP).Brasília (DF), 2 jun. 2011. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=505491>. Acesso em: 28 jul. 2011.

______. PL 1554/2011. Dispõe sobre a transferência da Capital Federal da República Federativa do Brasil para a cidade de Porto Seguro, no Estado da Bahia. Brasília (DF), 8 jun. 2011. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=507887>. Acesso em: 28 jul. 2011.

O ALTO custo do legislativo no país. A Gazeta, Vitória, 14 jul. 2011. Disponível em: <http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2011/07/noticias/a_gazeta/opiniao/904608-editorial-o-alto-custo-do-legislativo-no-pais.html>. Acesso em: 28 jul. 2011.

PROJETOS sem cabimento. A Gazeta, Vitória, 22 jul.2011, p. 18.


 


 

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A polêmica sobre o livro “Por uma Vida Melhor”: a imprensa e os especialistas


 

"Pilhei a senhora num erro!", gritou Narizinho. "A senhora disse: 'Deixe estar que já te curo! ' Começou com o Você e acabou com o Tu, coisa que os gramáticos não admitem. O 'te' é do 'Tu', não é do 'Você'"...

"E como queria que eu dissesse, minha filha?"

"Para estar bem com a gramática, a senhora devia dizer: 'Deixa estar que já te curo'."

"Muito bem. Gramaticalmente é assim, mas na prática não é. Quando falamos naturalmente, o que nos sai da boca é ora o você, ora o tu; e as frases ficam muito mais jeitosinhas quando há essa combinação do você e do tu. Não acha?"

"Acho, sim, vovó, e é como falo. Mas a gramática..."

"A gramática, minha filha, é uma criada da língua e não uma dona. O dono da língua somos nós, o povo; e a gramática - o que tem a fazer é, humildemente, ir registrando o nosso modo de falar. Quem manda é o uso geral e não a gramática. Se todos nós começarmos a usar o tu e o você misturados, a gramática só tem uma coisa a fazer..."

"Eu sei o que é que ela tem a fazer, vovó!", gritou Pedrinho. "É pôr o rabo entre as pernas e murchar as orelhas..."

Dona Benta aprovou.

(LOBATO, [S.d] apud NERY, [S.d])


 

As notícias e opiniões

Logo após a recente polêmica sobre a suposta proibição do livro "Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato, nas escolas de educação básica, por meio do Parecer CNE/CEB nº. 15, de 1º de setembro de 2010, na qual jornalistas, escritores, "notáveis" e muitos anônimos fizeram "fogo cerrado" contra o Conselho Nacional de Educação sem sequer fazerem uma leitura do citado parecer, surge mais uma polêmica, suscitada por um livro aprovado pelo Programa Nacional do Livro Didático, com supostos erros, e com o incitamento ao fato de que "é certo falar errado". Neste caso, como no outro, verificamos que a maioria das opiniões foi dada sem que o "crítico" tivesse tido acesso ao livro ou à opinião de especialistas.

Em 16 de maio, o jornal A Gazeta trouxe na seção "Pra começo de conversa" o artigo com o título "A Língua é minha Pátria", cujo primeiro parágrafo estava assim escrito:

Caro leitor, como vocês deve estar sabendo, o Ministério da Educação relaxou nessa história de concordância. Vocês não imagina como isso vai aliviar a vida dos jornalista. Uma das maiores crítica dos nossos leitor é sobre nossos erro. Agora que um livro distribuído pelo governo fala que importante é respeitar a maneira de falar das pessoa, mesmo se ela for assim, errada como todo esse parágrafo, nós estamos bem mais tranquilo para trabalhar( os grifos são nossos)(NASCIMENTO, 2011, p. 2).

E daí para frente cita os erros do livro "Por uma Vida Melhor" e a aceitação dele pelo Ministério da Educação, afirmando que a autora, Heloísa Ramos, afirma que o aluno "deve se orgulhar de seus erros de português", apesar de alertá-lo sobre a possibilidade de ele ser "vítima de preconceito linguístico" pelo fato de não falar como a classe dominante.

No dia 17 de maio, mais uma vez o tema é tratado sob o título: "16 mil no Estado usam
livro com erros de concordância", afirmando:

Logo na introdução, a obra traz uma defesa do uso popular da língua mesmo que as frases e as expressões apresentem erros de português. Em um trecho, os autores firmam: "Posso falar 'os livro'? Claro que pode, mas dependendo da situação, a pessoa pode ser vítima de preconceito linguístico". Outras frases consideradas como válidas são "nós pega o peixe" e "os menino pega o peixe". Os autores defendem que as pessoas devem dominar as duas formas (culta e popular) e escolher a que julga mais adequada (NASCIMENTO, CARLA, 17 maio 2011, p. 4).

Informa, ainda, que o material foi distribuído gratuitamente para 485 mil alunos de 4.236 escolas. No Espírito Santo, o número de alunos que o utilizam é de 15.935. Na mesma reportagem, foi explicitada a opinião de José Augusto de Carvalho, doutor em Letras:

A gente não entra na escola para aprender o que já sabe. O objetivo é aprender o que não sabe. Há dialetos diferentes, mas a escola deve ensinar o padrão culto. É possível entender pessoas no Norte e no Sul do país, ler jornais e revistas por causa desse registro formal. A autora está confundindo o ensino de Língua Portuguesa com variação dialetal (de dialetos). Isso não cabe em uma aula de Língua Portuguesa (NASCIMENTO, 2011, p.4).


Na mesma página, Marli Siqueira Leite, professora de Português e mestre em Letras, argumenta que os autores do livro "Por uma Vida Melhor" foram infelizes na abordagem que fizeram a respeito das variantes linguísticas, afirmando que "uma coisa é respeitar as variantes e trabalhar esse conteúdo em sala de aula (...) e outra coisa, pelo que pude ver, é o que colocaram como uma possibilidade viável". E acrescenta que a escola não pode abrir mão da língua materna, em sua forma culta.

Por sua vez, a autora Heloisa Cerri Ramos, justifica o conteúdo do livro, afirmando que o objetivo é mostrar que, apesar da norma culta, na vida real, falamos, muitas vezes, de forma diferente daquela que escrevemos. Sobre a questão da noção de preconceito linguístico, para ela, o importante é chamar a atenção para o fato de que a ideia de correto e incorreto deve ser substituído pela ideia de uso adequado ou inadequado da língua , dependendo da situação comunicativa.

Ainda nessa edição do jornal, a reportagem afirma que o Ministério da Educação defende a obra, afirmando que ela atende às Diretrizes Gerais da Educação de Jovens e Adultos.

Nesse mesmo dia, A Gazeta publicou a coluna do jornalista Merval Pereira, sob o título "Visão Perversa", em que mais uma vez a crítica à adoção do livro "Por uma Vida Melhor" é contundente:

Há um aspecto perverso nessa crise do livro didático de português, que o MEC insiste em manter em circulação, que ultrapassa qualquer medida do bom-senso de um governo, qualquer governo. A pretexto de defender a fala popular como alternativa válida à norma culta do português, o Ministério da Educação está estimulando os alunos brasileiros a cultivarem seus erros, que terão efeito direto na sua vida na sociedade e nos resultados de exames nacionais e internacionais que avaliam a situação de aprendizado dos alunos, debilitando mais ainda a competitividade do país (PEREIRA, 2011, p. 18).

O livro na coluna é denominado de "pedagogia da ignorância".

No dia 18 de maio, mais uma vez o tema é discutido, desta vez no Editorial: "Um livro
que ensina a falar errado". A crítica maior é ao Ministério da Educação que se recusa a retirar os livros das escolas, citando que a obra tem sido criticada por educadores e escritores (A Gazeta, 2011, p. 6).

No dia 19 de maio, uma pequena notícia. Encimada pelo título: "Os livro", a notícia foi: "MEC não vai recolher material com erros". Nela, é informado que o Ministro da Educação, Fernando Haddad, disse na Câmara dos Deputados, que o MEC não iria recolher o livro "Por uma Vida Melhor", (que permite erros de concordância como 'os livro' e 'nós pega', segundo a reportagem), acrescentando que "as pessoas que acusaram esse livro não tinham lido. Uma pena!"

No dia 29 de maio, finalmente, a opinião de especialista na área. Até então, tínhamos apenas a opinião do Professor José Augusto de Carvalho. Na edição desse dia, temos os pontos de vista da Professora Penha Lins, professora da Ufes e pós-doutora em Linguística pela Unicamp e do escritor Francisco Grijó.

No texto da professora Penha Lins, "Livro não pode ser demonizado", pareceu-nos que a crítica recaiu sobre o "tom" com que a questão do preconceito linguístico é abordada no livro, mostrando uma certa ameaça às pessoas ao falar cotidianamente, concluindo:

Não considero esse um bom tom de discurso para um livro didático. Mas penso que o livro não pode ser demonizado como querem alguns. Dificilmente vamos encontrar um livro didático sem nenhum problema na colocação dos conteúdos (LINS, 2011, p.6).

Para ela, a discussão sobre o livro "Por uma Vida Melhor" não lhe agrada quando adentra "por confrontos radicais e até passionais, que parecem estar defendendo mais posições ideológicas do que analisando o conteúdo do livro didático em questão". E cita a própria autora ao ensinar que:

As duas variantes [norma culta e popular] são eficientes como meios de comunicação. A classe dominante utiliza a norma culta principalmente por ter mais acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usado pela maioria dos brasileiros (LINS, 2011, p. 6 apud RAMOS, [S.d]).

E acrescenta que só discorda de que a variante culta é usada pela classe dominante por ser sinal de prestígio social. Para ela, ao contrário, a variante culta é sinal de prestígio por ser usada pela classe dominante.

Quanto ao escritor Francisco Grijó, o seu artigo, "Liberdade literária", fez uma análise da polêmica enfocando, como o título indica, a questão sobre o enfoque da literatura:

A linguagem literária preza aquilo que a própria literatura como um todo edifica e alicerça: a liberdade. Em outras palavras, dentro de parâmetros estáticos, pode-se (às vezes, deve-se) subverter a linguagem-padrão, a norma culta, o registro formal justamente para reforçar a ideia de que a normatização pode fazer mal à criação (GRIJÓ, 2011, p.6)

Sobre a legitimação do "erro" gramatical ou a permissão do seu uso ele afirma que a literatura não se escandaliza com tal situação, e cita Oswald de Andrade, celebre modernista, que defendia o uso absoluto da próclise em "Dê-me um cigarro/diz a gramática do professor e do aluno (...) mas o bom negro e o bom branco (...) dizem todos os dias/Deixa disso camarada/ me dá um cigarro". Para ele, o objetivo do texto não era o de "enaltecer o erro gramatical, mas desmistificar a ideia de que a literatura está sempre a serviço da formalidade e de que o falar popular não pode comungar com o edificante texto literário"(GRIJÓ, 2011, p.6).

Na edição do dia 30 de maio, mais uma opinião sob o título "MEC não quer ensinar". O autor foi Carlos Alberto Di Franco, professor de Ética e doutor em Comunicação:

Recentemente, a imprensa noticiou que, para evitar discriminações, o MEC quer renunciar ao dever de ensinar. Por exemplo, entende que pode promover o preconceito a explicação em sala de aula de que a concordância entre artigo e substantivo é uma norma da língua portuguesa. Dessa forma, o MEC aconselha relativizar. Segundo o Ministério, a expressão "os carro" também seria correta. A sociedade, quando se deu conta do que o MEC estava propondo, foi unânime na sua indignação. Afinal, a oportunidade de aprender bem a sua língua deve ser direito de todos (DI FRANCO, 2011, p. 6) (os grifos são nossos).

A partir daí, o Professor faz uma discussão filosófica sobre o conceito "verdade", o fato de como ela é incômoda para a sociedade que a considera como tolhedora de nossa autonomia e de nossa "aspiração por liberdade". Talvez, ele esteja se referindo à mesma liberdade a que se referiu o escritor Francisco Grijó: "A linguagem literária preza aquilo que a própria literatura como um todo edifica e alicerça: a liberdade".

Mas, para Di Franco, a posição do MEC está fundamentada em que,

Numa sociedade plural, não se poderia ter apenas uma única norma culta para a língua portuguesa. Deixemos os nossos alunos "livres" para escolherem as diversas versões (DI FRANCO, 2011, p.6).

Jornais de todo o país abordaram o tema. Os títulos das reportagens são suficientes para se concluir sobre a forma como ele foi tratado:

Desserviço à educação (Diário do Nordeste, 19 de maio de 2011);

MEC distribui livro que aceita erros de português (O Globo, 14 de maio de 2011);

Pedagogia da ignorância (O Estadão, 18 de maio de 2011);

Livro adotado pelo MEC defende falar errado (Agência Estado e o Estado de Minas, 12 de maio de 2011);

Livro aprovado pelo MEC ensina aluno a falar errado (Mato Grosso Notícia, 12 de maio de 2011);

Agora nóis pode falar errado (Rondoniagora.com, 19 de maio de 2011);

Livro usado pelo MEC ensina aluno a falar errado (Último Segundo, 12 de maio de 2011);

Deputado propõe proibir livro que ensina português "errado", no Rio (Jornal do Brasil, 23 de maio de 2011);

Senadora compara livro que ensina estudantes a falar errado à "casa da mãe Joana"(R7 Notícias, 17 maio de 2011).

A revista Veja do dia 25 de maio publicou artigo de Lya Luft sob o título "Chancela para
a ignorância", título, segundo ela, "furtado" de Alexandre Garcia, que também se manifestou sobre o assunto no programa Bom Dia Brasil, da Rede Globo. Em destaque na página da publicação, o seguinte:

Um livro didático aprovado pelo Ministério da Educação promove o não
ensino da língua-padrão, que todos os brasileiros, dos mais simples aos mais sofisticados, têm direito de conhecer e usar (LUFT, 2011, p.26) (o grifo é nosso).


Afirma, ainda, entre outras conclusões, "por ter ouvido falar", temos certeza, que vê o livro como "o coroamento do descaso, da omissão, da ignorância quanto à língua e de algum laivo ideológico torto, que não consigo entender bem". Mas, mesmo não entendendo bem, continua a repetir em todo o seu artigo que o livro "Por uma Vida Melhor" não ensina os alunos a falarem corretamente. E chega a afirmar que, "se devemos permanecer como somos (falando errado, ela quis dizer), a escola será supérflua".

Ora, talvez por ter escrito o seu artigo seguindo apenas o "instinto de manada", isto é, apenas para seguir o que os outros estavam dizendo, sem se dar ao trabalho de fazer uma consulta ao material, alvo de suas críticas, achou necessário, no dia 22 de junho, na edição da mesma revista, no artigo intitulado "Este nosso Brasil",referir-se novamente ao livro dizendo:

Outro dia escrevi sobre o tal livro com erros de português, metade aplaude, metade diz que a gente não entendeu nada, ou que é isso mesmo. Autoridades fazem as mais estapafúrdias afirmações (LUFT, 2011, p.28).


Bem, o livro continuou a ser chamado de "livro com erros de português", o que prova que a escritora, pelo menos até então, não tinha se dado ao trabalho de dar uma olhadinha nele, mas parece que, desta vez, ela não tem muita certeza se a opinião dada foi certa ou não.

Ainda nesta mesma edição da Veja, às páginas 86-87, outro artigo sobre o assunto, levando o título: "Os adversários do bom português". Nela, apesar de textos do livro "Por uma Vida Melhor" terem sido incluídos, deixando claro que "o falante tem de ser capaz (...) de usar a variante adequada da língua para cada ocasião" e que " é importante que o falante de português domine as duas variedades" ( a variedade popular e a norma culta), os autores demonstram claramente que não entenderam o significado do texto, questionando a afirmação de que a norma culta é só uma entre as várias maneiras de expressar-se. Os defensores dessa posição são chamados no artigo de "falsos intelectuais" e "doutores do atraso" e o conteúdo do livro de "lixo acadêmico travestido de vanguarda cultural". Citam, ainda, o historiador Marco Antonio Villa que afirma que o discurso dominante nas instituições de ensino que comungam com essa teoria "valoriza a ignorância".

Cremos que os responsáveis pelo artigo, apesar de terem ilustrado a página da revista com parte do livro, não o leram, pois afirmam que a obra menospreza a norma culta e ensina as crianças a falar "nós vai" ou "nós pegou o peixe" e que, se alguém as admoestar, é por "preconceito lingüístico". Talvez, o que falte é capacidade para a interpretação!

A opinião da procuradora da República Janice Ascari também é citada. Para ela, "estamos diante de um crime contra nossos jovens... um desserviço à educação já deficientíssima no país".

A edição de 25 de maio da revista Isto É também abordou o assunto em seu editorial com o título "A consagração da ignorância" e, mais uma vez, verificamos que o diretor editorial não leu o livro antes de se manifestar. Além de considerar "inconcebível" a adoção do livro "Por uma Vida Melhor", deturpa o seu conteúdo com afirmações que não correspondem à verdade:

O livro que deveria ser intitulado "Por um Ensino Pior"- prega que é aceitável o uso de expressões como "nós pega o peixe" ou "os livro". O argumento por trás desse despautério é o de que tais expressões são corriqueiras na comunicação falada dos brasileiros. Em outras palavras, o falar errado legitima o escrever e o ler errado e, por tabela, numa conclusão inapelável, o ensinar errado. É a Apologia da mediocridade! (MARQUES, 2011, p. 20).

E mais:

"Por uma Vida Melhor" indica ainda que, no mundo do "politicamente correto", orientar o aluno para que ele empregue o idioma na sua forma certa equivale a um "preconceito linguístico". Não cabem parâmetros ou regras convencionais. O uso impróprio é aceitável. A banalização do português é permitida (MARQUES, 2011, p.20).

O Último Segundo Educação publicou em 16 de maio a notícia: "ABL [Associação
Brasileira de Letras] critica livro e diz 'estranhar certas posições teóricas'". Na reportagem é divulgada o manifesto da ABL criticando o livro, com o seguinte preâmbulo:

O Cultivo da Língua Portuguesa é preocupação central e histórica da Academia Brasileira de Letras e é com esta motivação que a Casa de Machado de Assis vem estranhar certas posições teóricas dos autores de livros que chegam às mãos de alunos dos cursos Fundamental e Médio com a chancela do Ministério da Educação, órgão que se vem empenhando em melhorar o nível do ensino escolar no Brasil.

E cita o linguista brasileiro Mattoso Càmara Jr., que afirmou que "a gramática normativa tem o seu lugar no ensino, e não se anula diante da gramática descritiva", concluindo que o livro "Por uma Vida Melhor" não contribuirá para a melhoria da educação no país que o "Ministro tão justamente aspira". Bem, aqueles que leram o nosso texto "Monteiro Lobato e a Educação das Relações Étnicorraciais, lembram-se de nossa crítica à ABL por ter se manifestado sobre o Parecer CNE/CEB nº. 15/2010 de uma forma tal que demonstrava claramente que "os notáveis" lançaram o manifesto sem ler o Parecer. Mais uma vez, um manifesto sem a análise prévia do material a ser criticado!

Outras opiniões negativas devem ser lembradas:

"O erro deixa transparecer uma intenção política"( José Serra, ex-governador de São Paulo);

"O livro do MEC mantém o apartheid lingüístico" (Senador Cristovão Buarque);

"O livro é completamente inadequado"(Marcos Vilaça, presidente da ABL);

"Não tem que se fazer livros com erros. O professor pode falar na sala de aula que temos outra linguagem, a popular, não erudita, como se fosse um dialeto. Os livros servem para os alunos aprenderem o conhecimento erudito (Míriam Paura, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ);

"Está valendo tudo. Mais uma vez, no lugar de ensinar, vão rebaixar tudo à ignorância. Estão jogando a toalha. Isso demonstra falta de competência para ensinar" (Luiz Antonio Aguiar, escritor);

"Essa obra didática que conflita com a norma culta da língua, exigida de todos os brasileiros, foi distribuída para jovens e adultos, matriculados entre o 6º e o 9º ano do ensino fundamental. Como a rede oficial tem seu planejamento baseado na norma culta, esse livro veio para confundir, desservir, desorientar e alimentar conflitos. Refugá-la é proteger a língua nacional e estimular sua aprendizagem" (Diário do Nordeste, 19 de maio de 2011);

"Uma coisa é não ter preconceito com pessoas que não puderam chegar à escola; outra coisa é a escola ensinar uma linguagem que não é norma culta. A gente vai à escola para melhorar, não para aprender a falar errado" (Deputado Gabriel Chalita, ex- secretário de educação de São Paulo).

Consideramos importante citar, também, alguns trechos da entrevista concedida à revista Veja por Evanildo Bechara, "um dos mais respeitados especialistas da língua portuguesa", segundo a revista, e membro da Academia Brasileira de Letras, mas que parece também não ser capaz de interpretar um texto corretamente:

Ninguém de bom-senso discorda de que a expressão popular tem validade como forma de comunicação. Só que é preciso que se reconheça que a língua culta reúne infinitamente mais qualidades e valores.

Qualquer pessoa dotada da mínima inteligência sabe que precisa aprender a norma culta para almejar melhores oportunidades. Privar cidadão disso é o mesmo que lhe negar a chance de progredir na vida.

Nenhum país desenvolvido prega a desvalorização da norma culta na sala de aula ou inclui esse tipo de ideia nos livros didáticos. Esse desserviço aos alunos e à sociedade como um todo só encontra eco mesmo no Brasil (BECHARA, IVANILDO, 1 jun. 2011, p. 21).


 

O LIVRO "POR UMA VIDA MELHOR"

Em 19 de maio, a Ação Educativa, responsável pedagógica pela publicação de "Por uma Vida Melhor", lançou em 20 de maio de 2011, uma nota de esclarecimento sobre o livro.

É importante frisar que a Ação Educativa é uma organização fundada em 1994, com a missão de promover os direitos educativos e da juventude, tendo em vista a justiça social, a democracia participativa e o desenvolvimento sustentável no Brasil, tendo sido declarada de utilidade pública no âmbito do município e do estado de São Paulo. É, também, uma organização inscrita no Conselho Nacional de Assistência Social e no Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Paulo, além de ser cadastrada como organização de pesquisa no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.

O esclarecimento, na íntegra, é nos seguintes termos:

Uma frase retirada de seu contexto na obra Por uma vida melhor, cuja responsabilidade pedagógica é da Ação Educativa, vem gerando intensa repercussão na mídia. Diante da enorme quantidade de informações incorretas ou imprecisas que foram divulgadas, a Ação Educativa se coloca à disposição dos órgãos de imprensa para promover um debate mais qualificado, e esclarece:

1. "Escrever é diferente de falar". Como o próprio nome do capítulo indica, os autores se propõem, em um trecho específico do livro, a apresentar ao estudante da modalidade de Educação de Jovens e Adultos (EJA) as diferenças entre a norma culta e as variantes que ele aprendeu até chegar à escola, ou seja, variantes populares do idioma.

2. Os autores não se furtam, com isso, a ensinar a norma culta. Pelo contrário, a linguagem formal é ensinada em todo o livro, inclusive no trecho em questão. No capítulo mencionado, os autores apresentam trechos inadequados à norma culta para que o estudante os reescreva e os adeque ao padrão formal, de posse das regras aprendidas. Por isso, é leviana a afirmação de que o livro "despreza" a norma culta. Ainda mais incorreta é a afirmação de que o livro "contém erros gramaticais".

3. Para que possa aprender a utilizar a norma culta nas mais diversas situações, o estudante precisa ter consciência da maneira como fala. A partir de então, poderá escolher a melhor forma de se expressar. Saberá, assim, que no diálogo com uma autoridade ou em um concurso público, por exemplo, deve usar a variante culta da língua. Mas não quer
dizer que deva abandoná‐la ao falar com os amigos, ou outras situações informais.

4. É importante frisar que o livro é destinado à EJA – Educação de Jovens e Adultos. Ao falar sobre o tema, muitos veículos omitiram este "detalhe" e a mídia televisiva chegou a ilustrar VTs com salas de crianças. Nessa modalidade, é necessário levar em consideração a bagagem cultural do adulto, construída por suas vivências e biografias educativas.

5. O livro "Por uma vida melhor" faz parte do Programa Nacional do Livro Didático. Por meio dele, o MEC promove a avaliação de dezenas de obras apresentadas por editoras, submete‐as à avaliação de especialistas e depois oferece as aprovadas para que secretarias de educação e professores façam suas escolhas. O livro produzido pela Ação Educativa foi submetido a todas essas regras e escolhido, pois se adequa aos parâmetros curriculares do Ministério e aos mais avançados parâmetros da educação linguística.

6. A Ação Educativa tem larga experiência no tema, e a coleção Viver, Aprender é um dos destaques da área. Seus livros já foram utilizados como apoio à escolarização de milhões de jovens e adultos, antes de ser adotado pelo MEC, em vários estados (os grifos são nossos) (AÇÃO EDUCATIVA, 2011).

Após fazer um convite para que as pessoas leiam o livro, a Ação Educativa cita alguns trechos ignorados pela imprensa e pelos "críticos":

Contexto: outros trechos, do mesmo capítulo, não mencionados na cobertura da imprensa

"A língua escrita não é o simples registro da fala. Falar é diferente de escrever"

"Como a linguagem possibilita acesso a muitas situações sociais, a escola deve se preocupar em apresentar a norma culta aos estudantes"

"A norma culta existe tanto na linguagem escrita como na linguagem oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta".

"Algo semelhante ocorre quando falamos: conversar com uma autoridade exige uma fala formal, enquanto é natural conversarmos com as pessoas de nossa família de maneira espontânea, informal. Assim, os aspectos que vamos estudar sobre a norma culta podem ser postos em prática tanto
oralmente como por escrito" (AÇÃO EDUCATIVA, 2011). (os grifos são nossos).

O capítulo polêmico, na íntegra, também é apresentado aos leitores, em suas 17 páginas. Apresentaremos, a seguir, sem nos preocuparmos com o fato de cansar os leitores, alguns destaques que destoam claramente do que foi divulgado na imprensa. O nosso objetivo é esclarecer e provar que, mais uma vez, a imprensa e os "críticos de plantão"apresentaram aos leitores apenas o que era de seu interesse para denegrir a imagem das pessoas e das instituições, a qualquer custo, sem se dar ao trabalho de pesquisar a veracidade das informações inicialmente divulgadas. Eis, pois:

A língua escrita não é o simples registro da fala. Falar é diferente de escrever. A fala espontânea, por exemplo, é menos planejada, apresenta interrupções que não são retomadas. (...) Já a escrita possui muitas convenções. Ela precisa ser mais contínua, sem os cortes repentinos da fala e mais exata, porque geralmente não estamos perto do leitor para lhe explicar o que queremos dizer.

Você, que é falante nativo de português, aprendeu sua língua materna espontaneamente, ouvindo os adultos falarem ao seu redor. O aprendizado da língua escrita, porém, não foi assim, pois exige um aprendizado formal. Ele ocorre intencionalmente: alguém se dispõe a ensinar e alguém se dispõe a aprender (RAMOS, 2009 apud AÇÃO EDUCATIVA, 2011, p.11)(os grifos são nossos).

O nome do capítulo do livro é "Escrever é diferente de falar". E, nos parágrafos citados, está bem claro que a autora se dispõe ao ensino formal da língua escrita. E, no trecho seguinte, vê-se que ela se propõe a ensinar a norma culta, variante da língua portuguesa em que não entram termos como "os peixe" ou "os livro".

Neste capítulo, vamos exercitar algumas características da linguagem escrita. Além disso, vamos estudar uma variedade da língua portuguesa: a norma culta. Para entender o que ela é e a sua importância, é preciso antes conhecer alguns conceitos (RAMOS, 2009 apud AÇÃO EDUCATIVA, 2011 p.11).


Mas, a importância da norma popular é enfatizada e, cremos que nenhum "crítico" pode negá-la. Da mesma forma, que ninguém pode negar a existência do preconceito social a que a autora se refere. Aliás, a própria polêmica suscitada pelo livro demonstra claramente a sua existência:

Contudo, é importante saber o seguinte: as duas variantes [a culta e a popular] são eficientes como meios de comunicação. A classe dominante utiliza a norma culta principalmente por ter maior acesso à escolaridade e por seu uso ser um sinal de prestígio. Nesse sentido, é comum que se atribua um preconceito social em relação à variante popular, usada pela maioria dos brasileiros (RAMOS, 2009 apud AÇÃO EDUCATIVA, 2011, p.12).

Nos dois parágrafos seguintes, a autora explicita a preocupação da escola em ensinar a norma culta, explicando que ela pode ser usada tanto quando escrevemos, quanto quando falamos;

Como a linguagem possibilita acesso a muitas situações sociais, a escola deve se
preocupar em apresentar
a norma culta aos estudantes, para que eles tenham mais uma variedade à sua disposição, a fim de empregá-la quando for necessário.

Há ainda mais um detalhe que vale a pena lembrar. A norma culta existe tanto na linguagem escrita como na linguagem oral, ou seja, quando escrevemos um bilhete a um amigo, podemos ser informais, porém, quando escrevemos um requerimento, por exemplo, devemos ser formais, utilizando a norma culta. Algo semelhante ocorre quando falamos: conversar com uma autoridade exige uma fala formal, enquanto é natural conversarmos com as pessoas de nossa família de maneira espontânea, informal. Assim, os aspectos que vamos estudar sobre a norma culta podem ser postos em prática tanto oralmente como por escrito (RAMOS, 2009 apud AÇÃO EDUCATIVA, 2011, p.12) (os grifos são nossos).

Os trechos seguintes foram os enfatizados pelos "críticos" que pinçaram do capítulo apenas o que induziria o leitor a acreditar que o livro não ensinava corretamente a concordância entre as palavras. Pelo contrário, mais uma vez a autora chama a atenção para o fato de que é necessário que o estudante domine a norma culta, apesar de considerar que o mais importante é que ele se faça entender.

Alguns insetos provocam doenças, às vezes, fatais à população ribeirinha.


insetos (masculino, plural) alguns (masculino, plural)

doenças (feminino, plural) fatais (feminino, plural)

população (feminino, singular) ribeirinha (feminino, singular)

As palavras centrais (insetos, doenças, população) são acompanhadas por outras que esclarecem algo sobre elas. As palavras acompanhantes são escritas no mesmo gênero (masculino/feminino) e no mesmo número (singular/plural) que as palavras centrais. Essa relação ocorre na norma culta. Muitas vezes, na norma popular, a concordância acontece de maneira diferente. Veja:

Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado.

livro (masculino, singular)

os (masculino, plural)

ilustrado (masculino, singular)

interessante (masculino, singular)

emprestado (masculino, singular)

Você acha que o autor dessa frase se refere a um livro ou a mais de um livro? Vejamos:

O fato de haver a palavra os (plural) indica que se trata de mais de um livro. Na variedade popular, basta que esse primeiro termo esteja no plural para indicar mais de um referente. Reescrevendo a frase no padrão da norma culta, teremos:

Os livros ilustrados mais interessantes estão emprestados.

Você pode estar se perguntando: "Mas eu posso falar 'os livro?'." Claro que pode. Mas fique atento porque, dependendo da situação, você corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico. Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever, tomando as regras estabelecidas para a norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas. O falante, portanto, tem de ser capaz de usar a variante adequada da língua para cada ocasião.

Existe outro tipo de concordância: a que envolve o verbo. Observe seu

funcionamento:

Na norma culta, o verbo concorda, ao mesmo tempo, em número (singular/

plural) e em pessoa (1.ª/2.ª/3.ª) com o ser envolvido na ação que ele

indica.

O menino pegou o peixe.

menino (singular)

pegou (singular)

Os meninos pegaram o peixe.

meninos (plural)

pegaram (plural)

O menino pegou o peixe.

menino (3.ª pessoa)

pegou (3.ª pessoa)

Eu peguei o peixe.

eu (1.ª pessoa)

peguei (1.ª pessoa)

Na variedade popular, contudo, é comum a concordância funcionar de outra forma. Há ocorrências como:

Nós pega o peixe.

nós (1.ª pessoa, plural)

pega (3.ª pessoa, singular)

Os menino pega o peixe.

menino (3.ª pessoa, ideia de plural (por causa do "os")

pega (3.ª pessoa, singular)

Nos dois exemplos, apesar de o verbo estar no singular, quem ouve a frase sabe que há mais de uma pessoa envolvida na ação de pegar o peixe. Mais uma vez, é importante que o falante de português domine as duas variedades e escolha a que julgar adequada à sua situação de fala (RAMOS, 2009 apud AÇÃO EDUCATIVA, 2011, p.5-6).

Consideramos esse "Convite à leitura" da autora muito bom, na medida em que ela apresenta aos alunos outras formas das pessoas se expressarem, se fazerem entender, utilizando-se de outras formas de registro da língua. Ela explora o texto, exemplificando outras situações literárias em que foram utilizadas maneiras diferentes de expressão e, o que é mais importante, orienta os alunos a apresentarem partes do texto na norma culta.

O texto é de Juó Bananére, pseudônimo literário de Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, que escrevia sátiras em revistas e parodiava poetas conhecidos, como Olavo Bilac e Camões, além de satirizar políticos da época.

O texto que você vai ler a seguir é um poema de Juó Bananére, do começo do século XX. Nessa leitura você vai poder constatar uma maneira especial de registrar a língua por escrito.

Migna terra

Migna terra tê parmeras,

Che ganta inzima o sabiá,

As aves che stó aqui,

Tambê tuttos sabi gorgeá.

A abobora celestia tambê,

Che tê lá na mia terra,

Tê moltos millió di strella

Che non tê na Ingraterra.

Os rios lá sô maise grandi

Dus rio di tuttas naçó;

I os matto si perdi di vista,

Nu meio da imensidó.

Na migna terra tê parmeras

Dove ganta a galligna dangolla;

Na migna terra tê o Vapr'elli,

Chi só anda di gartolla.


 

Diálogo com o texto

Troque ideias sobre o texto com seus colegas e o professor baseando-se nas questões a seguir.

1. O que primeiramente despertou sua atenção na leitura?

2. De forma geral, que opinião o eu lírico manifesta sobre sua terra?

3. De que aspectos naturais de sua terra o eu lírico fala?

4. O que é possível constatar sobre o modo como algumas palavras são grafadas?

5. O que você descobriu de peculiar no que diz respeito à autoria do poema? (RAMOS, 2009 apud AÇÃO EDUCATIVA, 2011, p. 12)

Leiam a explicação dada para o texto e analisem os exercícios que os alunos são levados a fazer. É extenso, mas vale a pena ser lido.

Apesar de alguns elementos incomuns presentes no poema, você certamente compreendeu a ideia geral: o eu lírico falando de sua terra, como se percebe nos versos "I os matto si perdi di vista, / Nu meio da
imensidó.", referentes ao tamanho da floresta existente ali. Talvez tenha reconhecido detalhes de outro poema, "Canção do exílio", de um poeta chamado Gonçalves Dias, que expressou sua saudade do Brasil quando estava em Portugal, justamente cantando as belezas da pátria. Ele escreveu mais de cinquenta anos antes que Juó Bananére e inspirou ainda outros poetas.

Neste capítulo, que trata das linguagens oral e a escrita e das variedades culta e popular, a proposta, ao apresentar o poema "Migna terra", é refletir principalmente a respeito da linguagem empregada por Bananére e em que medida ela é importante para expressar as ideias dele.

Se você pensou na sequência de letras d + e para grafar a palavra de, por exemplo, pode não ter compreendido a razão do registro di, que aparece em "di vista". Nos versos citados acima, a palavra e, tão empregada para expressar acréscimo, foi grafada com a letra que mais lembra o modo como tantas vezes a pronunciamos: a letra i ("i os matto").

Uma palavra como che, repetida várias vezes no poema, também deve ter soado de forma estranha se você a pronunciou como xê, conforme se faz em português com a sequência de letras c + h. Releia o poema, pronunciando kê ao ler essa palavra, como fazemos ao pronunciar a palavra que do português. O poema certamente fará mais sentido.

É justamente o nosso que a intenção do poeta ao grafar che. A pergunta que surge é: "Por que, então, ele não grafa q + u + e?

Convém esclarecer alguns detalhes a respeito da linguagem do poema "Migna terra". Os desvios que você percebe na grafia de certas palavras são intencionais. Por meio deles, o poeta está expressando algo.

Este poema — e outros trabalhos de Juó Bananére — foram produzidos em um determinado contexto. Apesar de ser uma espécie de personagem, Juó Bananére tinha uma identidade: era um barbeiro que vivia na cidade de São Paulo no começo do século XX. Ele trabalhava em um bairro da região central chamado Abaix'o Piques,
posteriormente chamado de Bixiga (como é conhecido hoje). Naquela época a cidade era em grande parte formada por imigrantes italianos.

Esse é o aspecto central da linguagem de "Minha terra". Ela reflete a forma de falar de boa parte dessa população, que misturava a pronúncia própria do idioma italiano com a do português. Isso ocorre, por exemplo, em inzima (que corresponde a em cima); tambê (que corresponde a também); naçó (que corresponde a nação). Pronúncias como essas podem ser ouvidas em telenovelas que retratam a São Paulo daquela época ou determinada variedade linguística de hoje.

E não é só isso que se vê no poema no que diz respeito à linguagem. Para representar a influência que já foi mencionada, o poeta chega a escrever as palavras de maneira a lembrar a grafia do italiano. Você constata isso no l duplo, no t duplo e no gn (que representa o som nhê em italiano) presentes em migna, galligna, gartolla, strella, matto, tuttos,tuttas. Essas grafias não existem nem mesmo em italiano; apenas lembram marcas importantes da escrita desse idioma.

Pode parecer estranho, mas não é incomum. Muitos nomes de lojas brasileiras lembram detalhes da grafia de outros idiomas, como o's do inglês.

Na verdade, palavras do vocabulário italiano mesmo há poucas no poema: dove (= onde), mia (= minha), che (= que), chi (= quem). Claro! O poeta não pretendia escrever em italiano, e sim usar uma maneira de falar português da população de São Paulo. Com isso, ele acabava mostrando também uma visão de mundo dessa população. Ainda hoje, quando lemos o poema, é em parte a visão de mundo daquela época que acabamos levando em conta. De fato, a linguagem é uma marca importante.

No poema é empregado um dialeto ítalo-português oral de sua época. Seu emprego acaba sendo uma forma de tratar com irreverência a produção literária extremamente séria que existia até então. Este é outro dado importante referente àquela época: muitos poetas (classificados como modernistas) passaram a valorizar em suas obras o português falado no Brasil (em contraste com o português falado em Portugal) e a variedade popular da língua.

Em resumo, tudo que pode parecer erro é uma forma intencional de usar a língua escrita. E esse uso significa algo.

Naturalmente existe um código convencional a ser seguido no registro escrito na norma culta, conforme você estudou na seção Para conhecer mais, mas ele não é o único viável, sobretudo na linguagem literária.

Outros autores já usaram esse recurso. Adoniran Barbosa, por exemplo, empregava deliberadamente determinada variedade regional em suas letras. Músicas como "Saudosa maloca" (1951), "Samba do Arnesto"(1953), "Trem das onze" (1964) e "Tiro ao álvaro" (1960) mostram isso. O poeta Patativa do Assaré, que você estudará nesta coleção, também explorava certa variedade linguística em seus poemas.

Longe de serem erros, todos esses desvios são, no fundo, pistas que o texto fornece ao seu leitor. O falar espontâneo do poema de Juó Bananére é importante para construir uma crítica em forma de paródia à postura "patriota" extremamente sentimental presente no poema de Gonçalves Dias. A brincadeira com a linguagem, nesse caso, reforça essa postura.

Aplicar conhecimentos

a) Escreva o poema em seu caderno, trocando as ocorrências típicas da variedade popular pelas formas que seriam usadas na norma culta.

b) Verifique as mudanças que você fez e os efeitos que elas provocaram. Escreva quais foram esses efeitos.


 

2. Sobre o tema televisão, construa um período que:

a) termine com ponto final:

b) termine com ponto de interrogação:

c) termine com reticências:

d) termine com ponto de exclamação:


 

3. Escreva um parágrafo sobre o tema televisão. Separe as ideias em períodos para que o leitor possa acompanhar o texto.


 

4. Nestas frases, as palavras destacadas estão escritas como, geralmente, são pronunciadas.

Reescreva-as de acordo com as regras de ortografia:

a) Comecei a trabalhá em um lugar agradável.

b) Não foi fácil acostumá com essa ideia.

c) Vim com uma prima para ajudá na costura.

d) Não tenho nada a falá sobre esse assunto.

e) Talvez não conseguisse voltá para casa.

f) Passeei bastante antes de percebê que tava perdida.


 

5. Reescreva as frases, corrigindo os verbos que foram escritos incorretamente.

a) Eu quero dizê para vocês que os ônibus dessa linha tão cada vez mais raros.

b) E eu tenho que acordá mais cedo para não perdê a hora.

c) Pedi para trocá o produto, mas não concordaro.

d) O jornal é uma publicação que todo mundo ler.

e) Tá tudo bem, mas poderia está melhor, se não fosse a falta de respeito com a população.

f) Eles fizero uma pesquisa para sabê quantas pessoas teria oportunidade de trabalhá.

g) Nessa rua não temo paz nem para dormi.

h) Então eu resolvir escrever para vocês.


 

8. Reescreva no caderno os textos a seguir levando em consideração as normas da linguagem culta. Faça as modificações que julgar necessárias: evite repetições de palavras, substitua ou elimine palavras, use os sinais de pontuação, corrija as palavras que apresentam erros de grafia e de acentuação.

a) Sabemos que a leitura é uma das coisas que conseguir muda o homem, a leitura tem a capacidade de nos levar a lugar imaginario, imaginar coisas belissima, meu pai sempre diz quem ler e sábio meu pai esta lendo sempre que pode.

b) A leitura transforma as pessoa, assim que procuramos os livro, os livro revela culturas e os ensina e nos torna mais sabios de conhecimentos. Os livro nos leva ao sonhos, para realizar os sonhos sem sai de casa em viagens literarias.

(RAMOS, 2009 apud AÇÃO EDUCATIVA, 2011, p. 12-17).

Será que o livro não ensina a norma culta? Será que o livro ensina a falar errado? Ele incentiva os estudantes a não utilizar a concordância adequada?

De toda essa riqueza de texto da autora, "os críticos" se basearam em uma frase para expressar suas opiniões. E muitos deles, ao fazê-lo, cometeram deslizes na utilização da linguagem culta, como foi o caso da reportagem apresentada no Bom Dia Brasil do dia 17 de maio. Ao solicitar a opinião de Alexandre Garcia, a repórter Renata Vasconcellos disse: "Na semana passada, foram distribuídos, para quase meio milhão de alunos, um livro..." E o comentário de Alexandre Garcia é iniciado assim: "Renata, quando eu tava no 1º ano do Grupo Escolar e a gente falava errado...". Foi assim mesmo: foram distribuídos um livro e quando eu tava.

Bem, mas o que nos interessa ouvir é a opinião dos especialistas na área. Talvez, a situação da educação no Brasil seja tão caótica porque todos se dão o direito de opinar como se especialistas fossem. Qualquer um pode ser professor... Qualquer um pode ter uma coluna em jornais ou revistas, apresentando as melhores soluções para a educação, só porque um dia passou pelos bancos escolares... Qualquer um pode ser ministro da educação, secretário de educação, sem nunca ter sido professor ou atuado na área de educação.


 

E o que dizem os especialistas?

Iniciemos este tópico referindo-nos a orientações recebidas pelas escolas e professores sobre o ensino da língua portuguesa. Além de constarem em outros documentos, uma das referências utilizada é a coleção "Parâmetros Curriculares Nacionais", elaborada pelo Ministério da Educação, com a colaboração de especialistas de universidades, representantes de secretarias de educação e professores.

O ensino da Língua Portuguesa no ensino fundamental, segundo o documento, tem o objetivo de que os alunos, "adquiram progressivamente uma competência em relação à linguagem que lhes possibilite resolver problemas da vida cotidiana, ter acesso aos bens culturais e alcançar a participação plena no mundo letrado", sendo capazes de apresentar, entre outros comportamentos, os seguintes:

.utilizar diferentes registros, inclusive os mais formais da variedade linguística valorizada socialmente, sabendo adequá-los às circunstâncias da situação comunicativa de que participam;

.conhecer e respeitar as diferentes variedades linguísticas do português falado;

.compreender os textos orais e escritos com os quais se defrontam em diferentes situações de participação social, interpretando-os corretamente e inferindo as intenções de quem os produz;

.conhecer e analisar criticamente os usos da língua como veículo de valores e preconceitos de classe, credo, gênero ou etnia (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1997, p.33).

Vê-se, assim, que a utilização e o conhecimento das variedades linguísticas, assim como o respeito por elas é um dos objetivos do ensino da língua portuguesa expresso em um documento que deve servir como orientação para os autores de livros didáticos, professores e demais profissionais da educação.

Ainda nesse documento, é enfatizada a questão do trânsito do aluno da linguagem popular para a linguagem formal, enfatizando-se a questão do "certo" e do "adequado" trabalhado no livro "Por uma Vida Melhor" e a necessidade de que o aluno tenha confiança em si mesmo para expressar-se adequadamente, não sendo alvo do preconceito impingido àqueles que não utilizam a linguagem formal:

Não é papel da escola ensinar o aluno a falar: isso é algo que a criança aprende muito antes da idade escolar. Talvez por isso, a escola não tenha tomado para si a tarefa de ensinar quaisquer usos e formas da língua oral. Quando o fez, foi de maneira inadequada: tentou corrigir a fala "errada" dos alunos — por não ser coincidente com a variedade linguística de prestígio social —, com a esperança de evitar que escrevessem errado. Reforçou assim o preconceito contra aqueles que falam diferente da variedade prestigiada.

Expressar-se oralmente é algo que requer confiança em si mesmo. Isso se conquista em ambientes favoráveis à manifestação do que se pensa, do que se sente, do que se é. Assim, o desenvolvimento da capacidade de expressão oral do aluno depende consideravelmente de a escola constituir-se num ambiente que respeite e acolha a vez e a voz, a diferença e a diversidade. Mas, sobretudo, depende de a escola ensinar-lhe os usos da língua adequados a diferentes situações comunicativas. De nada adianta aceitar o aluno como ele é, mas não lhe oferecer instrumentos para enfrentar situações em que não será aceito se reproduzir as formas de expressão próprias de sua comunidade. É preciso, portanto, ensinar-lhe a utilizar adequadamente a linguagem em instâncias públicas, a fazer uso da língua oral de forma cada vez mais competente (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO, 1997, p. 38) (os grifos são nossos).

Esse é o pensamento dos especialistas. E muitos deles manifestaram o seu apoio à Ação Educativa e, em particular, à Professora Heloísa Ramos. Um desses, a Associação Brasileira de Linguística – ABRALIN - publicou o seu posicionamento, estranhando o fato de que, até então, não tinha sido consultada sobre o tema, apesar dos "posicionamentos virulentos externados na mídia, alguns até histéricos".

Em 27 de maio, a União dos Dirigentes Municipais de Educação – UNDIME – lançou publicamente o seu posicionamento, criticando a mídia que ignorou o obrigatório protagonismo do professor na escolha do livro didático e se manifestou como se especialistas fosse. Eis na íntegra o manifesto:

A cada ano, nos meses de outubro, assistimos a campanhas midiáticas sobre o dia dos professores. Sobre como a profissão deve ser dignificada, valorizada, e que educação ainda não é prioridade. Isso, a princípio, demonstra um reconhecimento, por parte da sociedade, acerca da importância do profissional de educação. Entretanto, nessas últimas semanas, a sua capacidade discricionária vem sendo posta em xeque.

O livro "Por uma vida melhor", pautado pela imprensa nessas últimas semanas, foi escrito por professores com experiência em educação de jovens e adultos; sua seleção para o PNLD/ EJA (Programa Nacional do Livro Didático/ Educação de Jovens e Adultos) foi feita por professores de universidades públicas; sua escolha, para ser utilizado em escolas públicas, feita por professores. E a isso, em momento algum, foi atribuída a relevância devida nas notícias veiculadas.

O estudante de Eja enfrenta diversos obstáculos para continuar seus estudos. Os principais são a baixa auto-estima causada pela defasagem idade/ série e a necessidade de dividir seu tempo e sua dedicação com trabalho, escola e família. A escola tem por obrigação ajudá-lo nesse processo. Reconhecer suas vivências, sua cultura, seu conhecimento, sua linguagem é o primeiro passo.

Acaso o exemplo do livro, relativo à variante popular da norma culta, fosse "tava" (estava) ou expressões de cacofonias comumente usadas "lá tinha" ou "por cada", a polêmica seria tão grande assim?

O controle público deve ser exercido pela comunidade escolar e pela sociedade em geral. É direito do cidadão. Mas é preciso garantir que os argumentos sejam expostos, lidos, interpretados sem conceitos preestabelecidos e que não haja manipulação por interesses políticos ou econômicos o que, sabe-se, é difícil de acontecer em um programa do porte do PNLD e que envolve o mercado editorial. Sobretudo é preciso reconhecer e respeitar o protagonismo do professor no processo de ensino-aprendizagem. É ele o profissional preparado para essa mediação e esse debate.

Brasília, 27 de maio de 2011

CLEUZA RODRIGUES REPULHO Dirigente Municipal de Educação de São Bernardo do
Campo/ SP Presidenta da Undime.

Um grupo de estudantes do curso de Linguística da Universidade Federal de São Carlos realizou um evento, no dia 21 de maio, intitulado - "Nóis vai ou nós ficamos? Por uma vida melhor", o que a lingüística tem a dizer, com a justificativa de que:

A Linguística é uma ciência nova e muitos nem sabem do que se trata. Na maioria das vezes, as pessoas que estavam discutindo sobre o livro eram profissionais de outras áreas que sem conhecer o que o livro propunha, faziam altas críticas. Sem espaço para o linguista explicar um pouco desse método surgiu a idéia de organizarmos esse evento para o público geral, conhecer um pouco mais sobre o assunto.

Outros especialistas que se manifestaram a favor do livro: um grupo de formandos em Língua Portuguesa da PUC/São Paulo, com o título "Desinformação e Desrespeito na Mídia Brasileira"; o Conselho Nacional de Juventude (Conjuve); a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED); a Associação Nacional de Política e Administração da Educação (ANPAE); a Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE); o Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES); a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), além de especialistas que o fizeram individualmente como: José Miguel Wisnik, professor de Teoria Literária na USP; Ataliba de Castilho, autor da Nova Gramática do Português Brasileiro, professor titular aposentado da USP e da Unicamp e um dos idealizadores do Museu da Língua Portuguesa; Eliane Ribeiro, Miguel Farah Neto, Diógenes Pinheiro e Maria Fernanda Rezende Nunes, Professores da Linha de Pesquisa Políticas Públicas de Educação, do programa de Pós-Graduação da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro; Carlos Alberto Faraco, linguista, foi professor de Português e reitor da UFPR; Sírio Possenti, professor associado do Departamento de Linguística da Unicamp e autor de "Por que (não) ensinar gramática na escola", "Os humores da língua", "Os limites do discurso", "Questões para analistas de discurso e Língua na Mídia"; Ana Maria Zilles, pós-doutora em linguística pela New York University, professora da UNISINOS (RS); Kátia Lomba Bräkling, professora de linguística e uma das elaboradoras dos PCNs de Língua Portuguesa; Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília (UnB) e autor do livro Preconceito Linguístico ; Thais Nicoletti de Camargo, consultora de língua portuguesa do Grupo Folha - UOL ; Francisco Alves Filho, professor da Universidade Federal do Piauí ; Luiz Carlos Cagliari, professor de linguística da Unesp (Araraquara, SP); Magda Becker Soares, professora emérita da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (Ação Educativa, 2 jun. 2011).

Por sua vez, como não poderia deixar de ser, o Ministério da Educação defendeu a escolha do livro e o ministro Fernando Haddad insistiu na afirmação de que os "críticos" não leram a obra, lamentando as posições adotadas e considerando que "criticar uma obra sem ler é uma postura fascista". Posteriormente, em audiência na Comissão de Educação do Senado, tendo sido interpelado pelo Senador Álvaro Dias dizendo que até o ditador soviético Josef Stálin defendia a norma culta, o ministro respondeu:

Há uma diferença entre o Hitler e o Stálin. Ambos fuzilavam seus inimigos, mas o Stálin lia os livros antes de fuzilá-los. Estamos vivendo, portanto, uma pequena involução, estamos saindo de uma situação stalinista e agora adotando uma postura mais de viés fascista, que é criticar um livro sem ler (SENADO FEDERAL, 2011).


 

O DESFECHO DA POLÊMICA

Em 1º de julho, a Ação Educativa publicou artigo com o título "Ministério Público freia obscurantismo e arquiva processo", informando sobre o arquivamento do inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Federal da Procuradoria da República do Distrito Federal questionando o uso de erros gramaticais no livro Por uma Vida Melhor. Para o procurador da República no Distrito Federal, Peterson de Paula Pereira, "não há elementos plausíveis indicativos de que o livro "Por uma Vida Melhor" esteja a propagar o ensino errado da língua portuguesa", argumentando, ainda que:

O estudo do comportamento da língua, pelo contrário, reafirma o papel social do Estado em fomentar o respeito à dignidade da pessoa humana e afastar preconceitos, entre os quais o linguístico, que, como comprovado pelas recentes publicações jornalísticas, infelizmente ainda existe no nosso meio (AÇÃO EDUCATIVA, 2011).

Frisou, ainda, em seu parecer que a discussão acerca da polêmica gerada em torno da escolha do livro "Por uma Vida Melhor" foi apresentada pela mídia de um modo "quiçá temerário". Elogiou os critérios de escolha dos livros didáticos do PNLD, lembrando que as obras didáticas selecionadas não são objetos de indicação política, mas "fruto de estudos e de avaliações rigorosas desenvolvidas por especialistas da área de educação".

Concluiu o procurador, para embasar o pedido de arquivamento do inquérito, que não houve "ofensa aos princípios norteadores da educação, tampouco naqueles informadores da dignidade da pessoa humana"(AÇÃO EDUCATIVA, 2011).

Tivemos, então, nas palavras de Cesar Callegari, membro do Conselho Nacional de Educação, mais uma daquelas polêmicas suscitadas pelos partidários do "não vi e não gostei", tal como ocorreu em relação ao parecer do CNE que tratava da obra de Monteiro Lobato, "Caçadas de Pedrinho". E com isso, a imprensa pôde, durante um certo período, ocupar o espaço dos seus jornais, revistas, programas televisivos e radiofônicos, os políticos deixaram de se ocupar com o que realmente interessa ao povo brasileiro e aqueles que "nada entendem e nem querem entender"puderam expressar opiniões sem nenhum fundamento, quer seja de origem linguística, ou educacional, ignorando princípios relativos aos direitos humanos.


 

BIBLIOGRAFIA

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AÇÃO EDUCATIVA agradece apoio ao livro "Por uma Vida Melhor". Ação Educativa, São Paulo,[S.d], Disponível em: <http://www.acaoeducativa.org/index.php?option=com_content&task=view&id=2611&Itemid=2>. Acesso em: 2 jul. 2011.

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BECHARA, Evanildo. Em defesa da gramática. Veja, São Paulo, ano 44, n. 22, p. 21- 25, 1 jun. 2011. Entrevista concedida a Roberta de Abreu Lima.

BETTI, Renata; LIMA, Roberta de Abreu. Os adversários do bom português. Veja, São Paulo, ano 44, n. 21, p. 86-87, 25 maio 2011.

CHALITA diz que MEC deveria tirar de circulação livro que ensina a falar errado. Último Segundo, [S.l], 29 maio 2011. Disponível em: <http://colunistas.ig.com.br/poderonline/2011/05/29/chalita-diz-que-mec-deveria-tirar-de-circulacao-livro-que-ensina-a-falar-errado/>. Acesso em 29 maio 2011.

CRITICAR obra sem ler é fascista, diz Haddad sobre livro didático. Portal de Notícias. Senado Federal. Brasília (DF), 1 jun. 2011. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/noticias/SenadoNaMidia/noticia.asp?n=561803&t=1>. Acesso em: 5 jun. 2011.

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LEÃO, Naiara." Não somos irresponsáveis", diz autora de livro com "nós pega". Último
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LINS, Penha. Livro não pode ser demonizado. A Gazeta, Vitória, p. 6, 29 maio 2011.

LUFT, Lya. Este nosso Brasil. Veja, São Paulo, ano 44, n. 25, p.28, 22 jun. 2011.

______. Chancela para a ignorância. Veja, São Paulo, ano 44, n. 21, p.26, 25 maio 2011.

MARQUES, Carlos José. A consagração da ignorância. Isto É, São Paulo, ano 35, n. 2.167, p.20, 25 maio 2011.

MEC distribui livro que aceita erro de português. O Globo Educação, [S.l], 14 maio 2011. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/educacao/mat/2011/05/14/mec-distribui-livro-que-aceita-erros-de-portugues-924464625.asp>. Acesso em: 16 maio 2011.

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UNDIME e alunos de letras da PUC-SP defendem livro Por uma vida melhor. Ação
Educativa, São Paulo, 1 jun. 2011. Disponível em: <http://www.acaoeducativa.org/index.php?option=com_content&task=view&id=2621&Itemid=2>. Acesso em: 10 jun. 2011.


 


 


 

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INSCRIÇÃO PARA A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Atendendo a sugestão de um leitor de Santa Maria de Jetibá para que o blog Damarlu Educação divulgasse informações sobre EJA, transcrevo a notícia publicada hoje, dia 12 de julho, à página 5 do jornal "A Gazeta":

"Inscrição para o EJA a partir do dia 19

Os jovens e adultos interessados em concluir o ensino fundamental ou médio podem se matricular, entre os dias 19 e 21, para as aulas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) nas escolas da rede estadual em várias cidades.

O interessado dever ter mais de 15 anos para se matricular no ensino fundamental e ser maior de 18 anos para o ensino médio. A matrícula deve ser realizada nas escolas listadas pela Secretaria Estadual de Educação (Sedu).

Cada série da etapa de ensino equivale, no EJA, a um semestre. O ensino fundamental, portanto, tem a duração de quatro anos; e o ensino médio, de um ano e meio. As turmas geralmente são oferecidas em horário noturno para atender aos que trabalham de dia.

Alunos que já estão cursando o EJA devem ficar atentos ao período de rematrícula, que vai de 14 a 19 de julho.


 

Para se matricular

TURMAS: Ensino fundamental, para maiores de 15 anos, e ensino médio, para maiores de 18 anos.

MATRÍCULA: de 19 a 21 deste mês.

REMATRÍCULA: de 14 a 19 deste mês.

DOCUMENTOS: Certidão de nascimento ou de casamento; histórico escolar; ficha de transferência ou comprovante equivalente; comprovante de residência.

ONDE: Nas escolas listadas pela Sedu (www.educacao.es.gov.br)".